Não, Trump não provou que paracetamol causa autismo
O relatório do Secretário de Saúde dos EUA distorce correlação em causalidade
Por Cremieux Recueil1
O Departamento de Saúde e Serviços Humanos (HHS) dos EUA anunciou no dia 22 de setembro de 2025 que as mulheres grávidas devem evitar o acetaminofeno — conhecido no Brasil como paracetamol e ingrediente ativo do Tylenol — devido a preocupações de que ele possa aumentar o risco de autismo em crianças ainda não nascidas. Mas milhões de mães usam paracetamol para controlar a dor e a febre durante a gravidez, pois é o único medicamento disponível para elas fazerem isso com segurança2. Ou, pelo menos, é o que lhes foi dito nas últimas décadas, mas aparentemente não é mais assim.
A justificativa do HHS para o novo aviso sobre o Tylenol baseia-se em uma revisão sistemática liderada pela reitora de Saúde Pública de Harvard, Andrea Baccarelli. A revisão da Dra. Baccarelli afirma que há uma “associação forte e consistente entre a exposição pré-natal ao paracetamol e TDAH/TEA/outros TNDs”. A revisão enfatizou que esse resultado foi excepcionalmente robusto, que se manteve forte em estudos que controlaram conjuntos de diferentes fatores confundidores, com períodos de exposição de controle negativo e com correspondência de pontuação de propensão. O único problema é que nenhum desses métodos é confiável e os autores, na verdade, ignoraram algumas boas evidências que contradizem sua conclusão.
A principal falha da revisão é que seus autores conheciam boas evidências na forma de estudos de controle de irmãos — estudos em que os cientistas comparam um irmão exposto ao Tylenol no útero com um irmão que não foi exposto a ele — e ignoraram esses resultados. Mas esses estudos eram os mais fortes; só que não encontraram nada alarmante. Para mim, essa parece ser a explicação correta para o motivo pelo qual os autores estavam tão entusiasmados em atacá-los com base em argumentos espúrios.
No maior e mais qualificado exemplo, os pesquisadores usaram quase 2,5 milhões de nascimentos na Suécia entre 1995 e 2019, usaram ótimas medidas de exposição ao Tylenol em um país onde a maior parte do uso do Tylenol é por prescrição médica, e descobriram praticamente o mesmo que os outros estudos não causais: mães que usaram mais Tylenol durante a gravidez têm filhos com autismo e outros distúrbios do desenvolvimento neurológico com mais frequência. Mas eles foram além de replicar essa associação puramente correlacional. Na verdade, eles mostraram que, ao comparar irmãos expostos de forma diferente, aquele exposto ao Tylenol não era mais propenso a ter qualquer distúrbio do que aquele que não foi exposto. Em outras palavras, a associação não é causal de forma alguma.
A revisão foi repleta de non sequiturs. Citou evidências fracas como se fossem fortes. Os autores não conseguiram sintetizar quantitativamente os resultados dos estudos que referenciaram. Pior ainda, cometeram erros crassos ao preencherem a tabela e até citaram estudos de maneiras diretamente contraditórias aos próprios estudos. A revisão foi preguiçosa, mas aparentemente apoia o que algumas pessoas realmente querem acreditar: que o Tylenol causa autismo.
Como resultado dessa falsa ciência bastarda disfarçada de informação real, milhões de mulheres grávidas ficarão receosas e evitarão o Tylenol ou qualquer marca de paracetamol, mesmo quando esse pode ser o medicamento de que precisam. As mães que precisam baixar a febre ou controlar a dor não têm alternativas: os opiáceos não são aceitáveis e o ibuprofeno não é seguro antes de os fetos terem passado por cerca de dois trimestres de crescimento. Se fosse verdade que o Tylenol causa autismo, então poderia haver algum debate sobre o cálculo de risco-recompensa para permitir que mulheres grávidas o usassem, mas não há. A ciência é bastante clara: o Tylenol não causa autismo.
Quando nossas autoridades de saúde pública erram em questões científicas, o sofrimento se segue. Quem vai clamar pelas mães?
Original em UnHerd, 23 de setembro de 2025.
Tradução: Larissa Souza
Nos EUA, o uso da dipirona, por exemplo, é proibido pela FDA desde 1977.