As mulheres são humanas?
Por Dorothy L. Sayers1

Discurso proferido em uma sociedade feminina, em 1938.
Quando me pediram para vir falar com vocês, a Secretária da sua organização sugeriu que eu pudesse estar interessada no movimento feminista. Respondi — um pouco irritada, receio — que não tinha certeza se queria “me identificar”, como se costuma dizer, com o feminismo, e que o tempo do “feminismo”, no sentido antigo da palavra, já havia passado. Na verdade, acho que cheguei a dizer que, nas condições atuais, um feminismo agressivo poderia causar mais mal do que bem. Como resultado, fui convidada, talvez naturalmente, a me explicar.
Não sei se é muito fácil explicar, sem ofender ou correr o risco de ser mal interpretada, exatamente o que quero dizer, mas vou tentar.
A questão da “igualdade de gênero” é, como todas as questões que afetam as relações humanas, delicada e complicada. Ela não pode ser resolvida com slogans barulhentos ou afirmações categóricas como “a mulher é tão boa quanto o homem” — ou “o lugar da mulher é no lar” — ou “as mulheres não devem ocupar os empregos dos homens”. Quando se faz tais afirmações, percebe-se que é preciso qualificá-las. “A mulher é tão boa quanto o homem” é tão sem sentido quanto dizer “um cafre2 é tão bom quanto um francês” ou “um poeta é tão bom quanto um engenheiro” ou “um elefante é tão bom quanto um cavalo de corrida” — não significa nada até que você acrescente: “em fazer o quê?” Em um sentido religioso, sem dúvida, o cafre é tão valioso aos olhos de Deus quanto um francês — mas o cafre médio é provavelmente menos habilidoso em crítica literária do que o francês médio, e o francês médio é menos habilidoso do que o cafre médio em rastrear animais de grande porte. Pode haver exceções em ambos os lados: é em grande parte uma questão de hereditariedade e educação. Quando comparamos o poeta com o engenheiro, nos deparamos com uma diferença fundamental de temperamento — de modo que aqui nossa questão é complicada pelo enorme problema social de saber se a poesia ou a engenharia é “melhor” para o Estado ou para a humanidade em geral. Pode haver pessoas que gostariam de um mundo que fosse todo de engenheiros ou todo de poetas — mas a maioria de nós gostaria de ter uma certa quantidade de cada um; embora, novamente, todos provavelmente discordemos sobre a proporção desejável entre engenharia e poesia. A única ressalva que devemos fazer é que pessoas com temperamentos sonhadores e poéticos não devem se envolver com máquinas, e que pessoas com mentalidade mecânica não devem publicar livretos de versos ruins. Quando chegamos ao elefante e ao cavalo de corrida, chegamos a diferenças físicas fundamentais — o elefante teria um desempenho ruim no Derby, e o próprio Eclipse3, invicto, seria rapidamente eclipsado por um elefante quando se tratasse de transportar troncos.
É algo tão óbvio que nem vale a pena mencionar. Mas é característico de todos os movimentos, por mais bem-intencionados, que seus pioneiros tendam, ao se deixarem levar pelo entusiasmo, a perder de vista o óbvio. Em reação ao antigo slogan “a mulher é o sexo frágil” ou ao ainda mais ofensivo “a mulher é uma criatura divina”, acho que nos permitimos cair na afirmação de que “a mulher é tão boa quanto o homem”, sem nem sempre parar para pensar no que exatamente queremos dizer com isso. O que, na minha opinião, devemos querer dizer é algo tão óbvio que tende a escapar completamente à atenção, a saber: não que toda mulher seja, em virtude de seu sexo, tão forte, inteligente, artística, sensata, trabalhadora e assim por diante quanto qualquer homem que possa ser mencionado; mas que uma mulher é tão humana quanto um homem, com as mesmas preferências individuais e com o mesmo direito aos gostos e preferências de um indivíduo. O que é repugnante para todo ser humano é ser sempre considerado como membro de uma classe e não como pessoa individual. É claro que uma certa classificação é necessária para fins práticos: não há mal nenhum em dizer que as mulheres, como classe, têm ossos menores do que os homens, usam roupas mais leves, têm mais cabelo na cabeça e menos no rosto, vão mais assiduamente à igreja ou ao cinema, ou têm mais paciência com bebês pequenos e barulhentos. Da mesma forma, podemos dizer que pessoas corpulentas de ambos os sexos geralmente têm melhor temperamento do que as magras, ou que professores universitários de ambos os sexos são mais pedantes em sua fala do que trabalhadores agrícolas, ou que comunistas de ambos os sexos são mais ferozes do que fascistas — ou vice-versa. O que é irracional e irritante é supor que todos os gostos e preferências de uma pessoa devem ser condicionados pela classe à qual ela pertence. Esse tem sido um erro muito comum que os homens frequentemente cometem em relação às mulheres — e é o erro que as mulheres feministas talvez estejam um pouco inclinadas a cometer em relação a si mesmas. Tomemos, por exemplo, a acusação muito comum de que as mulheres hoje em dia sempre querem “copiar o que os homens fazem”. Nessa crítica há bastante verdade e bastante absurdo puro, absoluto e, na verdade, perverso. Há uma série de empregos e prazeres que os homens monopolizaram para si mesmos no passado. Em certa época, por exemplo, os homens tinham o monopólio da educação clássica. Quando as pioneiras do ensino universitário para mulheres exigiram que elas fossem admitidas nas universidades, imediatamente se ouviu o grito: “Por que as mulheres deveriam querer aprender sobre Aristóteles?” A resposta NÃO é que todas as mulheres se tornariam melhores ao aprender sobre Aristóteles — muito menos, como Lord Tennyson parecia pensar, que elas se tornariam esposas mais agradáveis para seus maridos se aprendessem sobre Aristóteles —, mas simplesmente: “O que as mulheres querem como classe é irrelevante. Eu quero aprender sobre Aristóteles. É verdade que a maioria das mulheres não se importa com ele, e muitos estudantes universitários ficam pálidos e desmaiam só de pensar nele — mas eu, excêntrica que sou, quero aprender sobre Aristóteles, e afirmo que não há nada na minha aparência ou funções corporais que me impeça de aprender sobre ele.”
Essa batalha foi vencida, e com razão, pelas mulheres. Mas há um lado mais ridículo na educação universitária das mulheres. Tenho notado ultimamente, e com pesar, uma tendência por parte das faculdades femininas de “copiar os homens” em seus defeitos e absurdos, e isso não é nada bom. Como a constituição das faculdades masculinas é autocrática, antiquada e, em muitos aspectos, ineficiente, as mulheres tendem a tentar encaixar suas próprias constituições universitárias — que foram traçadas em linhas democráticas mais livres — no molde medieval das masculinas, e isso não é saudável. Isso não contribui em nada para a universidade e perde o que poderia ter sido algo muito bom. As estudantes também têm o hábito tolo de querer imitar e superar os absurdos dos estudantes universitários do sexo masculino. Entrar bêbada depois do toque de recolher no dormitório e ser barrada é tolice inofensiva se feito por puro entusiasmo juvenil; se for feito “porque os homens fazem”, é pior do que tolice, porque não é espontâneo e nem mesmo divertido. Deixe-me dar um exemplo simples da diferença entre o feminismo certo e o errado. Vamos abordar esse assunto terrível — tão angustiante para as mentes dos bispos — das mulheres que andam de calças. Nos perguntam: “Por que vocês querem andar de calças? Elas são extremamente impróprias para a maioria de vocês. Vocês fazem isso apenas para copiar os homens.” A isso, podemos responder muito pertinentemente: “É verdade que elas são impróprias. Mesmo nos homens, elas são notavelmente pouco atraentes. Mas, como vocês mesmos descobriram, elas são confortáveis, não atrapalham as atividades como as saias e protegem quem as usa das correntes de ar nos tornozelos. Como ser humano, gosto de conforto e não gosto de correntes de ar. Se as calças não atraem vocês, tanto pior; no momento, não quero atrair vocês. Quero me aproveitar como ser humano, e por que não? Quanto a copiar vocês, certamente vocês tiveram a ideia das calças primeiro e, nesse sentido, devemos copiá-los. Mas não somos imitadoras tão largadas a ponto de querer prender essas vestimentas úteis aos nossos corpos com suspensórios. É aí que traçamos o limite. Esses acessórios de couro e elástico são desnecessários e inadequados para a forma feminina. Além disso, são mais horríveis do que se pode descrever. E quanto à indecência — da qual vocês às vezes acusam as calças —, pelo menos nós podemos tirar nossos casacos sem ficarmos seminuas, como o espetáculo que um homem apresenta ao ficar só de camisa e suspensório.”
Assim, quando ouvimos dizer que as mulheres mais uma vez se apropriaram de algo que antes era privilégio exclusivo dos homens, acho que temos que nos perguntar: trata-se de calças ou suspensórios? É algo útil, conveniente e adequado para um ser humano como tal? Ou é apenas algo desnecessário para nós, feio e adotado apenas para roubar a propriedade do outro? Quanto aos empregos e profissões, agora. É ridículo assumir o trabalho de um homem apenas para poder dizer que “uma mulher conseguiu — sim!”. A única razão decente para assumir qualquer trabalho é que ele é o seu trabalho e você quer fazê-lo. Neste ponto, é provável que alguém diga: “Sim, tudo isso é muito bom. Mas é a mulher que está sempre tentando imitar o homem. Ela é o ser inferior. Como regra geral, não se veem os homens tentando tirar os empregos das mulheres. Eles não invadem o lar e expulsam as mulheres de suas ocupações legítimas.”
É claro que não. Eles já fizeram isso.
Aceitemos a ideia de que as mulheres devem limitar-se aos seus próprios empregos — os empregos que desempenhavam tão bem nos bons velhos tempos, antes de começarem a falar de votos e direitos das mulheres. Vamos voltar à Idade Média e perguntar o que deveríamos receber em troca de certos privilégios políticos e educacionais que teríamos que abandonar. É uma lista formidável de trabalhos: toda a indústria de fiação, toda a indústria de tingimento, toda a indústria de tecelagem. Toda a indústria de serviço alimentício e — o que talvez não agradasse a Lady Astor4 — toda a indústria cervejeira e destiladora do país. Toda a indústria de conservas e engarrafamento, toda a cura do bacon. E (uma vez que naquela época os homens costumavam ficar ausentes de casa por meses a fio, devido à guerra ou aos negócios) uma grande parte da administração das propriedades rurais. Aqui estão as tarefas das mulheres — e o que aconteceu com elas? Todas elas estão sendo realizadas pelos homens. É muito fácil dizer que o lugar da mulher é o lar — mas a civilização moderna tirou todas essas atividades agradáveis e lucrativas do lar, onde as mulheres cuidavam delas, e as entregou à grande indústria, para serem dirigidas e organizadas por homens à frente de grandes fábricas. Até mesmo a leiteira com seu chapéuzinho desapareceu, sendo substituída por um mecânico responsável por uma instalação mecânica de ordenha. Agora, é muito provável que os homens nas grandes indústrias façam esses trabalhos melhor do que as mulheres faziam em casa. O fato é que o lar contém muito menos atividades interessantes do que costumava conter. Além disso, o lar encolheu tanto que ficou do tamanho de um pequeno apartamento que, mesmo se restringirmos o trabalho da mulher a ter e criar filhos, não há espaço para ela fazer nem mesmo isso. É inútil relegar a mulher moderna a ter doze filhos, como sua avó. Onde ela os colocaria quando os tivesse? E que homem moderno quer se incomodar com eles? É perfeitamente idiota tirar das mulheres suas ocupações tradicionais e depois reclamar de por que elas procuram novas. Toda mulher é um ser humano — não se repete esse fato com frequência suficiente — e um ser humano deve ter uma ocupação, se ele ou ela não quiser se tornar um fardo para o mundo.
Não estou reclamando porque os homens tenham assumido as tarefas de fermentação e panificação. Se eles conseguem produzir cervejas e assar pães tão bem quanto as mulheres, ou melhor, então que o façam. Mas eles não podem ter as duas coisas. Se vão adotar o princípio muito sensato de que o trabalho deve ser feito pela pessoa que o faz melhor, então essa regra deve ser aplicada universalmente. Se as mulheres são melhores funcionárias de escritório do que os homens, elas devem ter o trabalho de escritório. Se qualquer mulher é capaz de ser uma advogada, médica, arquiteta ou engenheira de primeira classe, então ela deve ter a oportunidade de tentar. Uma vez estabelecida a regra de que o trabalho vem em primeiro lugar, você abre essa vaga para qualquer pessoa, homem ou mulher, gorda ou magra, alta ou baixa, feia ou bonita, que seja capaz de fazer esse trabalho melhor do que o resto do mundo.
Agora, afirma-se frequentemente que, para as mulheres, o trabalho não vem em primeiro lugar. O que (as pessoas questionam) as mulheres estão fazendo com essa liberdade delas? Que mulher realmente prefere um emprego a um lar e uma família? Muito poucas, admito. É lamentável que elas tenham que fazer essa escolha com tanta frequência. Um homem, via de regra, não precisa escolher. Ele consegue os dois. Na verdade, se ele quer o lar e a família, geralmente precisa procurar o trabalho também, se conseguir. No entanto, houve mulheres, como a rainha Elizabeth e Florence Nightingale, que tiveram a escolha, escolheram o trabalho e tiveram sucesso nele. E houve e há muitos homens que sacrificaram suas carreiras pelas mulheres — às vezes, como Antony ou Parnell, de forma muito desastrosa. Quando se trata de uma escolha, então cada homem ou mulher tem que escolher como um ser humano individual e, como um ser humano, arcar com as consequências.
Como seres humanos! Sempre me divirto — e também me irrito — com os jornalistas que nos informam, com um ar de descoberta, que entrevistaram várias funcionárias e todas elas disseram estar “cansadas do escritório e adorariam deixá-lo”. Pelo amor de Deus, que ser humano não fica, de vez em quando, sinceramente cansado do escritório e não adoraria deixá-lo? O tempo das funcionárias de escritório é desperdiçado diariamente em simpatizar com colegas homens insatisfeitos que anseiam por deixar o escritório. Nenhum ser humano gosta de trabalhar — não dia após dia. O trabalho é notoriamente uma maldição — e se as mulheres gostassem de trabalhar eternamente, elas não seriam seres humanos. Sendo seres humanos, elas gostam de trabalhar tanto quanto qualquer outra pessoa. Elas não gostam de lavar roupa e cozinhar o tempo todo, assim como não gostam de digitar e ficar atrás do balcão de uma loja o tempo todo. Algumas delas preferem digitar a esfregar o chão — mas isso não significa que elas, como seres humanos, não tenham o direito de xingar e amaldiçoar a máquina de escrever quando sentem vontade. O número de homens que xingam e amaldiçoam máquinas de escrever diariamente é incalculável; mas isso não significa que eles seriam mais felizes fazendo um pouco de costura simples. Nem as mulheres.
Admiti que há muito poucas mulheres que colocariam seu trabalho acima de todas as outras considerações terrenas. Vou além e afirmo que há muito poucos homens que fariam o mesmo. Na verdade, talvez haja apenas um em cada mil seres humanos que se interesse apaixonadamente pelo seu trabalho só pelo próprio trabalho. A diferença é que, se essa pessoa em mil é um homem, dizemos simplesmente que ele é apaixonadamente engajado em seu trabalho; se for uma mulher, dizemos que ela é uma aberração. É extremamente divertido observar os historiadores do passado, por exemplo, se envolvendo no que gostavam de chamar de “o problema” da rainha Elizabeth. Eles inventaram as razões mais complicadas e surpreendentes tanto para o seu sucesso como soberana quanto para a sua tortuosa política matrimonial. Ela era a ferramenta de Burleigh, era a ferramenta de Leicester, era a tola de Essex; ela era doente, era deformada, era um homem disfarçado. Ela era um mistério para o qual devia haver alguma solução extraordinária. Só recentemente ocorreu a algumas pessoas esclarecidas que a solução poderia ser bastante simples, afinal. Ela pode ter sido uma das raras pessoas que nasceram para o trabalho certo e colocaram esse trabalho em primeiro lugar. Com isso, toda uma série de enigmas se esclareceu por magia. Ela era apaixonada por Leicester — por que, então, não se casou com ele? Bem, pela mesma razão que inúmeros reis não se casaram com suas amantes — porque isso teria atrapalhado o funcionamento da máquina do Estado. Por que ela era tão sanguinária e pouco feminina a ponto de assinar a sentença de morte de Maria, Rainha da Escócia? Pelas mesmas razões que levaram o rei George V a dizer que, se a Câmara dos Lordes não aprovasse o projeto de lei do Parlamento, ele criaria novos pares suficientes para forçá-lo a ser aprovado — porque ela era, na medida de seu tempo, uma soberana constitucional e sabia que havia um limite além do qual um soberano não podia desafiar o Parlamento. Sendo um ser humano raro, com os olhos voltados para o trabalho, ela fez o que era necessário; sendo um ser humano comum, ela hesitou bastante antes de tomar medidas desagradáveis — mas, quanto ao mistério feminino, não há nada disso, e ninguém, se ela fosse homem, teria considerado sua habilidade política ou sua humanidade de alguma forma misteriosas. Eram características notáveis suas — mas ela era uma pessoa muito notável. Entre suas realizações mais notáveis esteve a de mostrar que a soberania era uma das funções para as quais o tipo certo de mulher poderia ser particularmente bem adequado.
O que nos leva de volta à questão de quais são, se é que existem, os empregos femininos. Poucas pessoas iriam tão longe a ponto de dizer que todas as mulheres se adequam a todos os empregos masculinos. Quando as pessoas dizem isso, é particularmente irritante. É estúpido insistir que há tantas mulheres músicas e matemáticas quanto homens — os fatos mostram o contrário, e o máximo que podemos pedir é que, se surgir uma Dame Ethel Smyth ou uma Mary Somerville, ela tenha permissão para fazer seu trabalho sem que sejam feitas calúnias sobre seu sexo ou sua capacidade. O que pedimos é ser indivíduos humanos, por mais peculiares e inesperados que sejamos. Não adianta dizer: “Você é uma menina e, portanto, deve gostar de bonecas”; se a resposta for “Mas eu não gosto”, não há mais nada a dizer. Poucas mulheres nascem com talento natural para a mecânica; mas, se houver uma, é inútil tentar convencê-la a ser algo diferente. O que não devemos fazer é argumentar que o aparecimento ocasional de uma mulher com talento para a mecânica prova que todas as mulheres seriam gênios da mecânica se fossem educadas. Não seriam.
Acho que grande parte da confusão surgiu devido à incapacidade de distinguir entre conhecimento especial e habilidade especial. Há certas questões nas quais o chamado “ponto de vista feminino” é valioso, porque envolvem conhecimento especial. As mulheres devem ser consultadas sobre questões como habitação e arquitetura doméstica porque, nas circunstâncias atuais, elas ainda têm de lidar bastante com casas e pias de cozinha e podem trazer conhecimentos especiais para o problema. Da mesma forma, algumas delas (embora não todas) sabem mais sobre crianças do que a maioria dos homens, e sua opinião, como mulheres, é valiosa. Da mesma forma, a opinião dos mineiros tem valor quando se trata de mineração de carvão, e a opinião dos médicos é valiosa quando se trata de doenças. Mas há outras questões — como, por exemplo, literatura ou finanças — nas quais o “ponto de vista feminino” não tem nenhum valor. Na verdade, ele nem existe. Não envolve nenhum conhecimento especial, e a opinião de uma mulher sobre literatura ou finanças só tem valor como julgamento de um indivíduo. Ocasionalmente, imbecis congênitos e editores de revistas querem que eu diga algo sobre a escrita de romances policiais “do ponto de vista feminino”. A tais demandas, só se pode responder: “Dá o fora e não seja bobo. É como perguntar qual é a perspectiva feminina sobre um triângulo equilátero.”
Antigamente, costumava-se dizer que as mulheres não eram adequadas para ocupar um lugar no Parlamento, porque “não seriam capazes de pensar imperialmente”. Isso, se é que significava alguma coisa, significava que suas opiniões seriam limitadas e domésticas — em suma, “o ponto de vista da mulher”. Agora que elas estão no Parlamento, as pessoas reclamam que elas são uma decepção: elas votam como as outras pessoas de seu partido e não contribuíram com nada digno de nota do “ponto de vista feminino” — exceto em algumas questões puramente domésticas, e mesmo assim elas não estão todas de acordo. Parece que alguém estava querendo ter as duas coisas ao mesmo tempo. Mesmo os críticos devem lembrar que as mulheres são seres humanos e obrigadas a pensar e se comportar como tal. Posso imaginar um “ponto de vista feminino” sobre o planejamento urbano, a educação das crianças, o divórcio ou o emprego de vendedoras, pois nessas áreas elas têm algum conhecimento especial. Mas o que diabos é o “ponto de vista feminino” sobre a desvalorização do franco ou a abolição do Corredor de Danzig? Mesmo quando as mulheres têm conhecimento especial, elas podem discordar entre si, como outros especialistas. Os médicos nunca discutem ou os cientistas nunca discordam? As mulheres realmente não são humanas, a ponto de se esperar que elas sigam em fila indiana como ovelhas? Acho que as pessoas deveriam poder beber tanto vinho e cerveja quanto pudessem pagar e lhes fosse saudável; Lady Astor acha que ninguém deveria poder beber nada. Onde está o “ponto de vista feminino”? Ou será que uma de nós não tem sexo? Se quem não tem sexo sou eu, então estou em muito boa companhia. Mas prefiro pensar que as mulheres são humanas e têm opiniões diferentes, como os outros seres humanos. Isso não significa que suas opiniões, como opiniões individuais, não tenham valor; pelo contrário, quanto mais capazes elas forem, mais violentamente suas opiniões tenderão a diferir. Significa apenas que você não pode pedir “o ponto de vista feminino”, mas apenas o conhecimento especial da mulher — e isso, como todo conhecimento especial, é valioso, embora não seja garantia de concordância.
“O que”, os homens têm perguntado distraídos desde o início dos tempos, “o que diabos as mulheres querem?” Não sei se as mulheres, como mulheres, querem algo em particular, mas como seres humanos elas querem, meus bons homens, exatamente o que vocês querem: uma ocupação interessante, liberdade razoável para seus prazeres e uma válvula de escape emocional suficiente. A forma que a ocupação, os prazeres e a emoção podem assumir depende inteiramente do indivíduo. Vocês sabem que é assim com vocês mesmos — por que não acreditam que é assim conosco? O falecido D. H. Lawrence, que certamente não pode ser acusado de minimizar a importância do sexo e falava muitas bobagens sobre o assunto, ainda assim, ocasionalmente tinha vislumbres devastadores do óbvio. Ele disse em um de seus Artigos Variados:
“O homem está disposto a aceitar a mulher como igual, como um homem de saia, como um anjo, um demônio, um rosto infantil, uma máquina, um instrumento, um seio, um útero, um par de pernas, uma serva, uma enciclopédia, um ideal ou uma obscenidade; a única coisa que ele não aceita é que ela seja um ser humano, um ser humano real do sexo feminino.”
“Aceita como ser humano!” — sim; não como uma classe inferior e não, peço e imploro a todas as feministas, como uma classe superior — na verdade, não como uma classe, exceto em um contexto útil. Hoje em dia, temos uma tendência excessiva de dividir as pessoas em categorias permanentes, esquecendo que uma categoria só existe para um propósito específico e deve ser esquecida assim que esse propósito for cumprido. Há uma diferença fundamental entre homens e mulheres, mas não é a única diferença fundamental no mundo. Há um sentido em que minha empregada doméstica e eu temos mais em comum do que qualquer um de nós tem com, digamos, o Sr. Bernard Shaw; por outro lado, em uma discussão sobre arte e literatura, o Sr. Shaw e eu provavelmente descobriríamos que temos mais interesses fundamentais em comum do que qualquer um de nós tem com minha empregada doméstica. Admito que, mesmo assim, ele e eu discordaríamos ferozmente sobre o consumo de carne — mas essa não é uma diferença entre os sexos — nesse ponto, o falecido Sr. G. K. Chesterton teria ficado do meu lado contra o representante de seu próprio sexo. Depois, há pontos em que eu e muitos da minha geração, de ambos os sexos, concordamos plenamente, mas em que a geração emergente de jovens homens e mulheres nos consideraria incompreensivelmente estúpidos. A diferença de idade é tão fundamental quanto a diferença de sexo; e o mesmo vale para a diferença de nacionalidade. Todas as categorias, se insistirmos nelas além do propósito imediato a que servem, geram antagonismo de classes e perturbações no Estado, e é por isso que são perigosas.
Outro dia, na coluna “Conversa Franca5” de um dos nossos jornais populares, apareceu uma carta de um senhor patético sobre um pequeno problema que ameaçava seu casamento. Ele escreveu:
“Estou casado há onze anos e dou muita importância ao aniversário de casamento. Lembro minha esposa com um mês de antecedência e planejo fazer com que a noite seja um sucesso. Mas ela não compartilha do meu entusiasmo e, se eu não a lembrasse, deixaria o dia passar sem pensar no seu significado. Eu achava que o aniversário de casamento significava muito para uma mulher. Você pode explicar essa indiferença?”
Pobre senhorzinho casado, alimentado por generalizações — e convencido de que, se sua esposa não se encaixa na categoria de “mulher”, deve haver algo errado! Talvez ela se ressinta de ser colocada na mesma categoria que todas as mulheres típicas das histórias em quadrinhos. Se for assim, ela tem minha simpatia. “Uma” mulher — não uma pessoa individual, que talvez não goste de ser lembrada do passar implacável dos anos e do avanço da velhice — mas “uma” mulher, exibindo os sentimentalismos convencionais atribuídos ao seu sexo infeliz e ridículo.
Certa vez, um homem me perguntou — é verdade que foi no final de um jantar muito agradável, e o elogio pode ter sido devido a essa circunstância — como eu conseguia escrever em meus livros conversas tão naturais entre homens quando eles estavam sozinhos. Por acaso eu era membro de uma família grande e mista, com muitos amigos homens? Respondi que, pelo contrário, eu era filha única e praticamente nunca tinha visto ou falado com homens da minha idade até os 25 anos. “Bem”, disse o homem, “eu não esperaria que uma mulher [referindo-se a mim] fosse capaz de fazer isso de forma tão convincente”. Respondi que havia lidado com esse problema difícil fazendo meus personagens homens falarem, na medida do possível, como seres humanos comuns. Esse aspecto da questão pareceu surpreender o outro interlocutor; ele não disse mais nada, mas levou o assunto para refletir. Um dia desses, é bem provável que ele perceba que as mulheres, assim como os homens, quando deixadas sozinhas, também falam muito como seres humanos.
De fato, minha experiência me diz que tanto homens quanto mulheres são fundamentalmente humanos, e que há muito pouco mistério sobre qualquer um dos sexos, exceto a exasperante misteriosidade dos seres humanos em geral. E embora, para certos fins, ainda possa ser necessário, como sem dúvida foi no passado recente, que as mulheres se unam, como mulheres, para garantir o reconhecimento de suas necessidades como sexo, tenho certeza de que agora é chegado o momento de insistir mais fortemente nas necessidades de cada mulher — e, na verdade, de cada homem — como pessoa individual. Costumava-se dizer que as mulheres não tinham espírito de equipe; provamos que temos — não cometamos o erro oposto de insistir que existe um “ponto de vista” feminista agressivo sobre tudo. Opor perpetuamente uma classe a outra — jovens contra idosos, trabalhadores manuais contra intelectuais, ricoscontra pobres, as mulheres contrahomens — é dividir os alicerces do Estado; e se a divisão for muito profunda, não resta outro remédio senão a força e a ditadura. Se você deseja preservar uma democracia livre, deve basear-se — não em classes e categorias, pois isso o levará a um Estado totalitário, onde ninguém pode agir ou pensar, exceto como membro de uma categoria. Você deve basear-se no indivíduo Tom, Dick e Harry, na indivídua Jack e Jill — na verdade, em você e em mim.
Fonte da tradução publicada por Logos: A Journal of Catholic Thought and Culture.
Tradução: Larissa Souza.
Dorothy Leigh Sayers (13 de junho de 1893 – 17 de dezembro de 1957) foi uma renomada escritora inglesa de romances policiais, poeta, dramaturga, ensaísta, tradutora e humanista cristã.
N. da. T.: Cafres são um grupo étnico de origem africana.
N. da T.: Eclipse foi um cavalo de corrida puro-sangue britânico invicto do século XVIII que venceu 18 corridas.
N. da T.: Nancy Witcher Astor foi a primeira mulher a fazer parte da Câmara dos Comuns no Reino Unido, eleita em 1919.
N. da. T.: tradução livre. Originalmente, “Heart-to-Heart”, cuja tradução literal seria “de coração para coração”.


