As mentiras desnecessárias e autodestrutivas do movimento LGBT
Por Hunter Ash1
Poucas coisas geram tanta amargura quanto descobrir que você foi enganado por uma causa na qual acreditava.
Em um artigo recente no New York Times, o escritor e pioneiro do casamento entre pessoas do mesmo sexo Andrew Sullivan descreve onde ele acredita que o movimento LGBT perdeu o rumo. Ele se concentra principalmente no ativismo trans e, especificamente, na negação das diferenças sexuais. Embora eu concorde que isso seja responsável por grande parte da recente erosão do apoio público às causas LGBT, os problemas são mais profundos e antigos. Muito antes de as questões trans ganharem destaque no movimento, grande parte do ativismo LGB se baseava em alegações falsas ou enganosas2. Algumas dessas falsidades podem ter sido úteis no curto prazo, mas tornaram o movimento frágil. Evitar reações adversas cíclicas e criar um apoio duradouro aos direitos e liberdades LGBT requer voltar ao básico: devemos basear nossos argumentos em alegações verdadeiras e princípios morais simples.
Quando eu estava no segundo ano do ensino médio, em 2009, participei de um protesto contra o bullying anti-gay. Usei fita adesiva sobre a boca durante um dia letivo, com notas pré-impressas explicando meus motivos aos professores e alunos curiosos. Isso tinha o objetivo de simbolizar o silêncio imposto pelo medo às pessoas LGBT e foi feito em nome de Matthew Shepard, que eu acreditava ter sido morto em um crime de ódio homofóbico. Repeti o protesto no ano seguinte, quando estava no terceiro ano, em 2010. Também enfrentei professores em mais de uma ocasião que insistiam que a homossexualidade era uma escolha.
Tendo crescido como ateu em um dos estados mais religiosos dos Estados Unidos, eu estava acostumado a assumir posicionamentos impopulares e não me incomodava com a desaprovação social. Eu via a defesa dos direitos LGBT como uma extensão natural do meu compromisso com a racionalidade, já que os únicos argumentos que eu via contra eles eram religiosos. Eu tinha um tio gay que sempre foi gentil comigo, e a ideia de que ele deveria ser discriminado ou impedido de se casar me parecia uma intrusão monstruosa da irracionalidade na vida privada de um homem bom.
Com o tempo, adotei, de forma bastante acrítica, muitos dos outros pontos-chave do movimento pelos direitos LGBT. Acreditava que a maioria das mortes por AIDS era principalmente culpa do presidente Reagan por não ter respondido à epidemia. Acreditava que a homossexualidade exclusiva era universal no reino animal. E acreditava que os gays essencialmente queriam viver vidas idênticas às dos heterossexuais, mas com um parceiro do mesmo sexo.
À medida que fui ganhando consciência das questões trans, aceitei igualmente várias narrativas com base no consenso científico. Eu achava que as pessoas trans tinham cérebros mais semelhantes ao seu sexo identificado do que ao seu sexo de nascimento, que ser trans é sempre inato e que a transição é uma solução confiável para melhorar a saúde mental.
Não acredito que a verdade dependa das experiências e perspectivas pessoais de cada um, mas não posso deixar de mencionar que fiz a transição (de homem para mulher) em 2019 e, desde então, reverti a transição. Enquanto era trans, estava profundamente envolvido na comunidade LGBT local e participei de praticamente todos os tipos de configurações sexuais e relacionamentos que existem. Não sou alguém que simplesmente tem a mente fechada, tem uma resposta de repulsa exagerada ou não compreende verdadeiramente a comunidade. É algo que eu vivi.
Minhas experiências nas comunidades LGBT abriram as primeiras rachaduras na minha confiança na visão ativista de esquerda sobre essas questões. Entre as pessoas trans e não-conformes de gênero que conheci, não vi sinais de melhora na saúde mental à medida que elas abraçavam seu “verdadeiro eu”, nem vi qualquer melhora na minha própria saúde mental à medida que dava mais passos na minha transição. Além disso, não me parecia que as mulheres trans que conhecia fossem psicologicamente femininas em qualquer sentido reconhecível. A maioria ainda dominava as conversas, tinha teorias da mente deficientes, movia-se, ficava em pé e sentava-se de maneira masculina e era altamente agressiva sexualmente. Como alguém que sofreu abuso sexual de um homem quando criança, este último aspecto era especialmente preocupante para mim.
Em retrospecto, acredito que minha transição foi motivada, pelo menos em parte, pelo desejo de fugir dos homens devido a essa experiência na infância. Agora, lá estávamos todos nós — acolhidos nos espaços e conversas das mulheres. Minha própria saída de emergência deixou entrar aquilo de que eu estava fugindo. É claro que nada disso é científico ou generalizável, e não acredito que o abuso sexual na infância seja uma causa comum da identidade transgênero. Mas isso moldou a forma como reagi às minhas experiências na comunidade e me motivou a buscar evidências. E quando o fiz, descobri que quase tudo o que eu achava que sabia era, na melhor das hipóteses, sem fundamento e, na pior, uma mentira.
Vamos examinar cada ponto:
Matthew Shepard, por exemplo, não foi assassinado por homofóbicos em um crime de ódio. Ele estava envolvido com tráfico de drogas e prostituição, e um de seus assassinos era um ex-amante gay, provavelmente com o objetivo de roubar um carregamento de metanfetamina no valor de US$ 10.000 que estava em posse de Shepard. Esse padrão de fatos é apresentado e argumentado de forma convincente em The Book of Matt: Verdades ocultas sobre o assassinato de Matthew Shepard3 (2013), do jornalista gay Stephen Jimenez.
Também não é verdade que o governo não se importava com a disseminação do HIV. O vírus se espalhou tão rapidamente na população gay masculina (e, em menor grau, na população bissexual masculina) devido à alta taxa de transmissão por sexo anal desprotegido, ao fato de que esses homens frequentemente alternavam entre ativo e passivo e à extrema promiscuidade na comunidade. Já se sabia na década de 1980 que a doença era provavelmente transmitida sexualmente, e vários governos locais e pesquisadores imploraram às casas de banho gays (locais populares para encontros e orgias) em cidades como São Francisco que fechassem ou, pelo menos, fizessem mais para garantir sexo seguro. Quando esses apelos entraram por um ouvido e saíram por outro e o governo da cidade de São Francisco decidiu fechar as casas de banho, os manifestantes carregavam cartazes que diziam “hoje as casas de banho, amanhã os fornos”, comparando os esforços para manter os homens gays vivos ao Holocausto.
As tentativas de deter a epidemia em São Francisco estão documentadas em uma esclarecedora coleção de entrevistas com autoridades de saúde pública e especialistas envolvidos no esforço. Hoje, a prevenção e o tratamento do HIV são uma das únicas categorias de cuidados médicos fornecidos gratuitamente pelo governo federal a qualquer pessoa que precise e não tenha condições financeiras, juntamente com a diálise renal. Discordo do tom da narrativa padrão de que o governo não agiu tão rapidamente quanto alguns ativistas gostariam para proteger a comunidade de seu próprio comportamento de alto risco. Acredito na liberdade dos adultos de se envolverem em quase qualquer atividade consensual, por mais arriscada que seja, mas é impróprio agir como vítima quando os riscos se concretizam.

Da mesma forma, descobri que, embora o comportamento homossexual seja observado em muitas espécies, a homossexualidade exclusiva é observada apenas em humanos e ovelhas domesticadas (na verdade, é a bissexualidade que é comum na natureza). A confusão entre esses dois fenômenos (bissexualidade versus homossexualidade exclusiva) é claramente motivada pelo desejo de reforçar uma certa narrativa — que nem é necessária. Duvido muito que existam muitas pessoas cujo apoio aos direitos LGBT dependa da existência de homossexualidade exclusiva em centenas de espécies não humanas. Pelo contrário, construir um argumento a favor dos direitos e da aceitação LGBT usando falsidades corre o risco de alienar aliados que descobrem a verdade — porque as pessoas não gostam de ser enganadas.
Em termos de estilos de vida escolhidos, os gays não são comparáveis aos heterossexuais. Dez anos após Obergefell4, as taxas de casamento entre gays e lésbicas ficam muito atrás das dos heterossexuais, e esses relacionamentos são desproporcionalmente mais propensos a serem não monogâmicos. Nos últimos 15 anos, pesquisas descobriram que entre 30% e 50% dos gays estavam em relacionamentos abertos. Não há nenhuma razão específica para que isso seja ruim, mas a ideia de que os gays são apenas heterossexuais com preferências sexuais invertidas é falsa e não leva em conta as diferenças sexuais entre a sexualidade masculina e feminina. Basear o movimento na ideia de que a maioria dos gays deseja um casamento monogâmico e uma vida tradicional pode ter sido eficaz, mas sempre foi enganoso.
Isso nos leva às questões trans. Talvez a primeira mentira a ser mencionada seja o modelo de “sexo cerebral” da identidade transgênero. A ideia de que as pessoas trans geralmente têm, observavelmente, cérebros do sexo oposto foi impulsionada por uma neurociência descuidada. É certo que observamos alguma mudança da expressão do sexo nos cérebros de indivíduos transgêneros: o volume médio de certas regiões do cérebro entre a população de mulheres trans é alterado na direção da média feminina em relação à média masculina. Mas também observamos isso em homens gays que não se identificam como trans. Estudos mais recentes controlados para o fator sexualidade não mostram nenhuma mudança líquida entre os sexos no cérebro, assim como estudos não controlados cujas amostras incluem muito poucas pessoas transgênero que também são estritamente homossexuais. Outro fator que obscureceu o discurso é que, no passado, a maioria das pessoas que se identificavam como trans era exclusivamente homossexual, mas agora menos de um quinto o é, então muito poucas têm cérebros com essa expressão de sexo oposta, mesmo no sentido limitado estabelecido por estudos anteriores, e a maioria das pessoas com cérebros aproximados aos do sexo oposto não se identifica como trans.
A afirmação de que ser trans é uma parte inata de uma pessoa é igualmente fraca. A disforia de gênero — a sensação de incongruência e angústia entre o sexo e a identidade de gênero de uma pessoa — é um fenômeno real, embora continue sendo uma área com mais perguntas do que respostas definitivas. A tipologia mais forte de mulheres trans em transição é o modelo de dois tipos do pesquisador sexual Ray Blanchard. Ele classifica as mulheres trans em duas categorias: transexuais homossexuais (HSTS) e autoginefílicas (AGP). Os HSTS são exclusivamente homossexuais, apresentando sinais físicos e comportamentais de feminização antes da transição, e tendem a fazer a transição mais cedo (embora isso possa ser menos verdadeiro hoje em dia). Eles normalmente fazem a transição não por se sentirem presos no corpo errado, mas muitas vezes para escapar da homofobia, atrair homens mais masculinos e se encaixar melhor na sociedade. Os AGPs são geralmente homens heterossexuais ou bissexuais que, em certo sentido, são sexualmente atraídos pela ideia de ser uma mulher, o que pode produzir disforia de gênero.
Mas nenhum dos dois tipos psicológicos leva necessariamente a uma identidade trans. A maioria dos homens gays femininos não opta pela transição, especialmente em países ocidentais mais tolerantes. Os AGPs que fazem a transição também são uma minoria entre todos os homens que experimentam autoginefilia. Muitos optam por expressá-la apenas como uma preferência sexual, em vez de adotar uma nova identidade ou alterar seus corpos. Além disso, a existência de detransicionadores — aqueles que, como eu, fazem a transição e depois voltam atrás — também complica essa narrativa de que o senso interno de identidade de uma pessoa é imutável e inalterável.
Quanto às transições, os supostos benefícios para a saúde mental são frequentemente citados como o principal argumento pelos defensores das transições de adultos e jovens. Mas as evidências que sustentam esses benefícios são de baixa qualidade. Muitos dos estudos que pretendem mostrar os benefícios da transição sofrem de uma série de problemas metodológicos graves, como amostras pequenas, altas taxas de desistência, falta de controles adequados e resultados autorrelatados. Revisões de evidências encontram efeitos pequenos e altamente inconsistentes dos cuidados de afirmação de gênero nos resultados objetivos de saúde mental, incluindo uso de medicação psiquiátrica, visitas a hospitais relacionadas à saúde mental e suicídios. A tendência geral de estudos mais robustos mostra efeitos menores, insignificantes ou até negativos. Talvez o melhor que se possa dizer sobre os cuidados de afirmação de gênero é que não temos ideia se eles melhoram os resultados dos pacientes. Nenhum outro procedimento médico, especialmente um com efeitos colaterais tão graves, seria aprovado com uma base de evidências tão precária. De fato, países altamente progressistas da Europa Ocidental, alguns dos quais foram pioneiros em procedimentos transgêneros, têm desde então freado os cuidados acelerados com avaliação insuficiente.

Muitos dos argumentos e narrativas mais comuns usados por ativistas LGBT são mentiras, distorções ou, na melhor das hipóteses, sem fundamento. E, no entanto, os direitos LGBT continuam sendo uma causa vital e válida. Como, então, devemos defender a igualdade de direitos e dignidade? Há um argumento muito simples que teria agradado ao meu eu mais jovem e que ainda me convence hoje: a liberdade pessoal.
Os adultos devem ter o direito de se envolver em comportamentos consensuais com outros adultos e arcar com os custos desses comportamentos. Eles devem ter o direito de pagar pelas modificações corporais de sua escolha. Este é o único argumento que sempre foi necessário. Ele não requer nenhuma afirmação fatual falsa ou enganosa. Não requer a politização da ciência. Ele permanece forte, independentemente de a homossexualidade ser predominante entre as espécies e de a orientação sexual ou identidade de gênero serem características inatas e imutáveis.
Escolher essa postura pode significar abrir mão de algumas coisas que os ativistas querem. Talvez signifique que as pessoas não possam forçar seus colegas de trabalho a usar seus pronomes preferidos, o fim das transições médicas na menoridade e a restauração de muitos espaços exclusivos para um único sexo. É um compromisso estável: deixem-nos em paz e os deixaremos em paz. Pedir mais do que isso corre o risco de nos tirar do equilíbrio e criar ciclos de reações oscilantes. Assim que você começa a impor algo às outras pessoas, elas reagem.
Culpar apenas os ativistas trans pela reação anti-LGBT é perder o foco. Não precisamos de “LGB sem o T”; precisamos apenas de um consenso de LGBTs e aliados sobre um argumento centrado na verdade e moralmente liberal. Se a mensagem do movimento LGBT fosse simplesmente de liberdade pessoal, em vez de uma exigência — baseada em falsidades — de aceitação, subsídio e conformidade ideológica, estaríamos em um momento cultural e político muito diferente agora. Em particular, os direitos LGBT provavelmente teriam apoio quase total da facção política ascendente de nosso tempo: a direita tecnológica. Liberdade é legal. O transumanismo é legal. Campanhas moralistas intimidadoras não são. Se abraçarmos a autodeterminação e o individualismo, manteremos o direito das pessoas LGBT de prosperar na sociedade sem perseguição. Se exigirmos privilégios especiais para nós mesmos e poder sobre os interesses ou filhos de outras pessoas, perderemos o apoio público até que todas as conquistas dos últimos 50 anos sejam apagadas.
Fonte da tradução em Queer Majority, 02 de outubro de 2025.
Tradução: Larissa Souza.
Hunter Ash é escritor, comentarista político e professor particular de estatística. É formado em matemática e física e teve artigos publicados em veículos como The Blaze e Pirate Wires.
N. da T.: A mesma tática foi exposta numa checagem independente das estatísticas sobre mortes motivadas por homofobia no Brasil, publicada por Eli Vieira e colaboradores, em 2019.
N. da T.: Tradução livre.
N. da T.: Em 2015, no caso Obergefell v. Hodges, a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu que o casamento entre pessoas do mesmo sexo é um direito protegido.