Great Barrington, 5 anos depois
A Declaração de Great Barrington apresentou o primeiro argumento formal, com apoio médico e científico, contra os lockdowns da COVID-19.
Por Phillip W. Magness1

Em 4 de outubro de 2020 foi publicada a Declaração de Great Barrington (GBD), uma declaração de profissionais médicos que apresentou o primeiro argumento formal contra os lockdowns da COVID-19 a ganhar amplo apoio científico. Ao relembrarmos esse evento, muitos dos princípios articulados na GBD são reconhecidos como tendo sido comprovados. Agora sabemos que os lockdowns fizeram pouco ou nada para impedir a propagação do vírus. Eles representaram uma divergência acentuada da literatura científica pré-COVID sobre mitigação de pandemias, mas foram amplamente adotados em todo o mundo, quase sem debate científico sobre seus méritos. Apesar de sua falta de eficácia, essas políticas impuseram enormes danos sociais e econômicos, muitos dos quais ainda nos afetam hoje.
Todo o crédito pelo texto e pelos argumentos da GBD pertence aos seus três principais signatários: os Drs. Martin Kulldorff, Sunetra Gupta e Jay Bhattacharya. Fui um dos organizadores da pequena conferência que produziu a Declaração por meio de minha função como economista no American Institute for Economic Research (AIER), onde a assinatura ocorreu. Embora muito tenha sido escrito sobre a GBD após o evento, sua história — como ela surgiu, seu efeito no debate sobre o lockdown e, acima de tudo, os riscos e a difamação que nós, que participamos dela, sofremos — nunca foi contada na íntegra. Para marcar seu quinto aniversário, apresento estas lembranças.
O início dos lockdowns
Os primeiros sinais do que veio a se tornar a GBD começaram no início dos lockdowns da COVID, em março de 2020. Nenhum de nós sabia como esses eventos se desenrolariam na época. Como todos os americanos, os céticos em relação ao lockdown viram os vídeos das medidas draconianas da China, que mais tarde seriam adotadas de forma menos rigorosa na Itália e, em seguida, no resto da Europa. Vimos Anthony Fauci divulgar slogans sobre “duas semanas para impedir a propagação” e vimos 42 dos 50 estados do país imporem ordens de “permanência em casa” por meio de decretos de emergência. Eu estava no oeste de Massachusetts quando eles começaram. Junto com o resto da Nova Inglaterra e a vizinha Nova York, nós que morávamos em Great Barrington tivemos algumas das versões mais rigorosas e duradouras dessa política.
Fui contra o lockdown desde o momento em que foi anunciado. Isso me colocou em uma posição rara, mesmo entre os círculos políticos liberais dos quais eu fazia parte. Ed Stringham, presidente da AIER na época, compartilhava desse ceticismo. O mesmo acontecia com Jeffrey Tucker, que dirigia nossas operações editoriais. Fora da nossa organização, encontrei alguns aliados dispersos que estavam dispostos a se manifestar contra as restrições à medida que elas eram implementadas. Assim como a AIER, Jon Miltimore e Sean Malone, da FEE, publicavam críticas aos lockdowns em seu site. Matt e Terry Kibbe, da Free the People, gravaram algumas entrevistas pelo Zoom, questionando a agenda de Fauci. David Theroux, do Independent Institute, viu minhas manifestações contra os lockdowns online e ligou para dizer que nos apoiavam. Além dessa pequena rede, a maioria das pessoas — incluindo muitos libertários — decidiu permanecer em silêncio sobre esse exercício sem precedentes de excesso do governo. E mais do que só alguns deixaram de lado seus princípios para abraçar os lockdowns, porque essa “emergência” era de alguma forma diferente.
Foi realmente naquele primeiro mês da pandemia que nossa rede muito informal de cientistas e acadêmicos dissidentes começou a se cristalizar. Percebi o trabalho de Jay Bhattacharya em Stanford pela primeira vez durante esse período, embora ainda não o conhecesse. O professor Bhattacharya foi um dos principais coautores dos estudos de soroprevalência na Califórnia, que testaram a prevalência de anticorpos do vírus na população em geral. Suas descobertas, publicadas no final de abril, sugeriram que os números oficiais de casos subestimavam a taxa de infecção da COVID, exagerando assim sua letalidade. Seu colega John Ioannidis publicou um pequeno artigo sugerindo que os lockdowns se baseavam em suposições estatísticas falhas. Na mesma época, percebi o trabalho que Scott Atlas estava publicando no Hoover Institute, que questionava a eficácia dos lockdowns e ecoava minha própria opinião sobre o assunto.
Por um breve momento, alguns estados da Nova Inglaterra cogitaram a instalação de pontos de controle nas rodovias interestaduais. Em Albany, eles montaram um posto da Guarda Nacional no aeroporto para coletar formulários de rastreamento de contato dos passageiros que estavam saindo, mesmo que não fossem permanecer em Nova York. Como todo mundo nos Estados Unidos, eu me vi tentando estudar e entender o que estava acontecendo. Quando as ordens entraram em vigor, reduzimos as operações do nosso escritório a uma equipe mínima composta por aqueles que moravam no local ou nas imediações.
Fazer pesquisa empírica é o meu ganha-pão, então me interessei pelo agora famoso (ou notório) modelo da COVID-19 da equipe de Neil Ferguson, do Imperial College London, que influenciou fortemente as decisões do Reino Unido e dos Estados Unidos de adotar lockdowns. Em abril de 2020, notei algo estranho no modelo do Imperial College: os números publicados pela equipe de Ferguson previam uma catástrofe na maioria dos países, com mortes projetadas para atingir o pico por volta de julho, a menos que eles entrassem em lockdown. Enquanto isso, o governo da Suécia desafiou o resto do mundo e decidiu não adotar lockdowns. Nas ciências sociais, chamamos isso de “experimento natural”, porque permite comparações lado a lado de países que adotam abordagens políticas diferentes para o mesmo problema.
O modelo do Imperial College previu um número astronômico de mortes na ausência de lockdowns: mais de 500.000 na Grã-Bretanha e 2,2 milhões nos Estados Unidos até o final do verão de 2020. Quando aplicado à Suécia, ele previu quase 90.000 mortes no mesmo período. No entanto, no final de abril, a Suécia tinha menos de 3.000 mortes — um número alto, mas muito abaixo do que os modelos previam para aquele momento. Escrevi um pequeno artigo sobre essa discrepância emergente e sugeri que ela expunha uma falha significativa nas capacidades preditivas do modelo do Imperial College. O artigo viralizou na internet. Cerca de um mês depois, Ferguson foi chamado para testemunhar no Parlamento do Reino Unido e ficou surpreso com as perguntas de Matt Ridley sobre os dados suecos, o que levou os dois a terem uma discussão acalorada. Ferguson negou ter feito essas previsões sobre a Suécia (embora elas continuassem disponíveis para download no site do Imperial College), mas a história já havia se espalhado. E a Suécia, o único país ocidental que contrariou a tendência de lockdown, tornou-se o centro das atenções para aqueles de nós que questionavam a eficácia dessas políticas.
Não demorou muito para que os defensores do lockdown reagissem contra nosso pequeno e emergente grupo de céticos, divulgando uma série de estudos que pretendiam validar essas políticas. O mais notável deles foi, é claro, o do Imperial College, que afirmava mostrar que os lockdowns já haviam salvado cerca de 3 milhões de vidas. Um olhar mais atento revelou que essa afirmação era um completo absurdo — produto de um projeto empírico falho. A equipe do Imperial College usou seu próprio modelo de simulação defeituoso para projetar as mortes na ausência de lockdowns, comparou-o com os números reais e reivindicou o crédito por “salvar” a diferença. Lembro-me de ter ficado chocado com a falta de rigor empírico em seu estudo e percebi que ele parecia ter sido publicado às pressas por um editor de revista favorável ao lockdown. Não sou epidemiologista e nunca afirmei o contrário, mas trabalho com análise estatística, e muitas das técnicas estatísticas utilizadas para modelagem epidemiológica têm origem na economia e nas ciências sociais adjacentes. Com meus então colegas do AIER, Pete Earle e Max Gulker, comecei a montar uma bibliografia de artigos epidemiológicos pró-lockdown para avaliar se seguiam técnicas estatísticas adequadas para inferência causal ao avaliar a eficácia alegada. A grande maioria não o fazia.
Verão de 2020
Não me lembro exatamente quando notei o trabalho de Martin Kulldorff pela primeira vez, mas quase certamente foi após a crescente atenção em torno do contra-exemplo da Suécia. Jeffrey Tucker me alertou sobre um bioestatístico sueco em Harvard que vinha postando no Twitter sobre a resistência de seu país natal à tendência do lockdown. Ele vinha apresentando argumentos semelhantes aos meus sobre o fracasso do modelo do Imperial College e havia escrito alguns artigos de opinião sobre as falhas dos lockdowns em geral. Nessa época, também descobrimos uma epidemiologista de Oxford chamada Sunetra Gupta, que vinha contestando as recomendações políticas de Ferguson na imprensa britânica. Ferguson, então apelidado de “Professor Lockdown” pela mídia, havia sido recentemente flagrado violando suas próprias recomendações políticas ao visitar sua namorada em Londres.
É importante ressaltar que não havia uma central organizada para o movimento anti-lockdown nessa época. Ele cresceu espontaneamente à medida que nos descobríamos nas redes sociais e nos recebíamos em podcasts ou entrevistas ocasionais no Zoom. Tínhamos poucas ou nenhuma voz nas arenas políticas do governo até agosto de 2020, quando Atlas se juntou à Força-Tarefa contra a COVID da Casa Branca como um contrapeso à facção pró-lockdown liderada por Anthony Fauci e Deborah Birx. Desde março de 2020, a maioria das revistas médicas assumiu uma posição inflexível a favor do lockdown (embora o consenso científico esmagador, em 2019, fosse de que os lockdowns não funcionavam). Os modelos alarmistas da primavera não apenas deram início a uma interferência governamental sem precedentes, como sua natureza urgente eliminou qualquer oportunidade de um debate científico baseado em evidências sobre sua eficácia.
Apesar da reabertura parcial durante os meses de verão, rumores sobre uma segunda onda da pandemia no outono aumentaram a possibilidade de um novo confinamento. Movimentos ativistas fanáticos, como o “Zero COVID”, já culpavam a reabertura prematura pelo fracasso em erradicar a doença na primavera, mesmo que esse objetivo fosse cientificamente impossível. Além disso, vimos meses de manobras políticas de Anthony Fauci em Washington, produzindo análises contraditórias que, no entanto, sempre o colocavam no comando das recomendações oficiais de políticas adotadas. Com a expectativa de outro lockdown se aproximando, nosso pequeno grupo de céticos decidiu convocar uma reunião informal de críticos do lockdown na região para discutir o caminho a seguir.
Nos reunimos na AIER em um sábado no início de setembro. Tucker entrou em contato com Kulldorff, que morava a uma curta distância de carro. Ele também convidou Jenin Younes e Stacey Rudin, duas advogadas da vizinha Nova York. Ambas estavam envolvidas no movimento jurídico nascente para coibir abusos de poderes de emergência durante a pandemia. Stringham, Earle e eu nos juntamos à conversa. Algumas semanas antes, soubemos que Atlas havia convidado Kulldorff e Bhattacharya para informar o presidente Trump sobre o caso contra novos lockdowns. Mais tarde, descobrimos que essa reunião na Casa Branca deixou Birx furiosa e a levou a boicotar totalmente a discussão. Tal era a triste situação da Força-Tarefa da COVID: os defensores do lockdown já haviam se decidido sobre o assunto e não tinham interesse em qualquer dissidência ou resistência.
Não tínhamos uma agenda formal: depois de comparar notas e discutir nossas previsões para o caminho a seguir, fomos a uma vinícola local, que acabara de abrir seu espaço para uma apresentação de música ao vivo ao ar livre. Fomos almoçar lá e comemos em uma das mesas de piquenique ao ar livre. Enquanto ouvíamos covers de James Taylor sob um toldo improvisado, o proprietário passou por cada mesa para nos cumprimentar e expressar sua gratidão pelo nosso comparecimento, dadas as circunstâncias difíceis daquela primavera e verão.
Não fizemos planos concretos durante essa discussão, embora Kulldorff tenha lançado uma ideia baseada nas lições aprendidas na primavera: por que não realizar uma pequena conferência sobre a eficácia dos lockdowns com especialistas científicos e gravar os procedimentos para divulgação pública online? A premissa era simples: nosso objetivo era corrigir a falta de um debate científico público sobre os lockdowns em março de 2020. Fauci, Birx e Ferguson moldaram a resposta política da primeira onda sem qualquer contestação real. Ninguém questionou os modelos nos círculos políticos oficiais, embora agora soubéssemos, pelo caso sueco, que eles eram terrivelmente exagerados. E nenhuma discussão séria havia sido feita sobre as vantagens e desvantagens e os danos substanciais de fechar o país. Se os casos de COVID aumentassem novamente, seria necessário que houvesse uma oportunidade para os dissidentes científicos apresentarem seus argumentos contra os lockdowns e fornecerem os contra-argumentos que Fauci et al. evitaram na primavera.
A conferência
Nenhum de nós na reunião de setembro sabia quando, ou mesmo se, uma conferência sobre a resposta à COVID seria realizada. Em poucas semanas, porém, o surto do outono estava em andamento. Ainda mais preocupante era o fato de que o movimento “Zero COVID” mencionado acima estava pedindo um lockdown ainda mais rigoroso, ao estilo chinês, com base na crença delirante de que o vírus poderia ser erradicado durante essa segunda onda.
A conferência da GBD foi organizada quase espontaneamente em meio aos eventos que se desenrolavam. O Reino Unido e outros países europeus começaram a cogitar um segundo lockdown no final de setembro. O Canadá também discutia outro lockdown, e alguns governadores dos Estados Unidos começaram a sugerir que reverteriam a reabertura do verão assim que os casos ultrapassassem o limite aceitável. Kulldorff decidiu que era hora de realizar a conferência e entrou em contato com Tucker para ver se a AIER poderia sediá-la, já que tínhamos instalações e espaço adequados. A ideia básica surgiu de nossas discussões algumas semanas antes: reuniríamos um pequeno grupo de especialistas médicos para apresentar painéis de discussão temáticos sobre os diferentes aspectos dos lockdowns, a pandemia e outras questões sobre políticas adotadas. Os cientistas médicos definiriam a agenda e conduziriam a discussão, enquanto aqueles de nós que trabalhavam nas ciências sociais estariam no local para fazer perguntas sobre a implementação das políticas. Pedimos a alguns jornalistas que conduzissem entrevistas com os especialistas. E planejamos filmar o evento para publicar online para o público — especialmente porque não podíamos realizar uma grande conferência ao vivo em público devido às preocupações com a pandemia e às restrições associadas às aglomerações.
Montamos painéis rapidamente, com base principalmente na capacidade dos participantes de chegar aos Berkshires em curto prazo. Meu colega Brad DeVos dirigia nosso departamento de programas educacionais, que normalmente realizava várias conferências por ano no campus da AIER em tempos sem pandemia. Brad reuniu sua equipe para ver se poderíamos realizar um evento. No total, envolvia pouco mais de uma dúzia de pessoas, o que teria sido fácil de organizar em tempos normais. Mas durante a COVID, isso foi um grande desafio para nós. Sabíamos desde o início que seria uma reunião básica, com pouca participação e uma equipe menor do que estávamos acostumados a trabalhar, mas todos contribuímos da melhor maneira possível. Devido à urgência do tema, escolhemos o próximo fim de semana, 3 e 4 de outubro. Com apenas alguns dias para nos prepararmos.
No total, a conferência envolveu pouco mais de uma dúzia de pessoas, o que teria sido fácil de organizar em tempos normais. A grande vantagem do AIER é que tínhamos acomodações privadas em nosso campus (cerca de 15 a 20 quartos em estilo de hotel divididos entre a casa principal e os chalés locais), além de um salão de festas e espaço para conferências para sediar as discussões . Martin, que morava a uma curta distância de carro, entrou em contato com Jay Bhattacharya, que conseguiu reservar um voo da costa oeste. Encontramos alguns jornalistas que poderiam estar lá em cima da hora — David Zweig, que conduziu as principais entrevistas, Jeanne Lenzer, que veio como correspondente do BMJ, e John Tamny, da equipe de mídia da RealClearMarkets.
A parte mais complicada, de longe, foi trazer Sunetra Gupta para os Estados Unidos, dadas as restrições internacionais de viagem e a burocracia associada. Martin Kulldorff marcou uma reunião em Washington na segunda-feira após a conferência. Os três cientistas convidados planejaram informar Atlas e o Secretário de Saúde e Serviços Humanos sobre as discussões do fim de semana e apresentar os principais argumentos contra os lockdowns. Lembro-me claramente quando recebemos a ligação informando que o Departamento de Estado havia acabado de aprovar a viagem de Gupta aos EUA. Devia ser quarta-feira, antes da conferência. Alguns de nós estávamos na AIER, revisando a agenda da conferência. Usei meu celular para verificar os horários dos voos de Londres para um aeroporto da Costa Leste, a fim de ver se seria possível ela chegar a tempo. Encontramos um único voo de Londres-Heathrow para Boston que aterrissava naquela sexta-feira à tarde. “Vou de carro até Boston para buscá-la no aeroporto”, ofereceu-se um dos meus colegas.
Os três cientistas chegaram na sexta-feira. Nosso grupo preparou um pequeno jantar com os cientistas e revisou a programação para o dia seguinte. Eu fiz um tour informal pela propriedade da AIER para os convidados assim que eles chegaram. Como prometido, meu colega dirigiu quase três horas até Boston para buscar Gupta e seu marido, retornando a Great Barrington logo após o jantar.
Os painéis de entrevistas começaram no sábado de manhã, na sala principal da mansão da AIER. Montamos câmeras GoPro em tripés para filmar de vários ângulos. Os três cientistas sentaram-se na frente da sala, ao lado de uma tela de TV que usamos para trazer alguns especialistas remotos pelo Zoom para tópicos específicos. Os jornalistas sentaram-se diretamente em frente aos cientistas, com gravadores à mão. Eu estava no fundo da sala com meus colegas da AIER e alguns outros convidados, incluindo Younes e Rudin. Os economistas e advogados contribuíram como planejado com perguntas relacionadas a políticas adotadas e ciências sociais, mas, fora isso, Kulldorff, Gupta e Bhattacharya conduziram a maior parte da conversa. Todo o evento foi realizado com uma equipe reduzida e um orçamento apertado, em cima da hora.
Como mencionado, nosso plano original envolvia editar as gravações de cada sessão em clipes temáticos cobrindo cada tópico e publicá-los no YouTube para disponibilizar a discussão científica ao público. Queríamos apresentar o caso coeso contra o lockdown que não tivemos a oportunidade de apresentar na primavera. A ideia de uma “declaração de princípios” — que essencialmente se tornou a GBD — não estava na agenda original da conferência. A atenção de todos estava voltada para as gravações em vídeo de cada sessão e as entrevistas com jornalistas.
A “declaração” surgiu de forma um tanto espontânea durante o evento. No último painel do sábado, os cientistas sintetizaram uma ampla gama de tópicos em alguns temas coesos sobre a ineficácia dos lockdowns como política de resposta, sobre os danos sociais e outros danos à saúde pública causados pelos lockdowns que haviam sido negligenciados e sobre abordagens alternativas à pandemia, como a proposta de “proteção focada”.
As experiências desastrosas em lares de idosos no nordeste dos EUA durante a primeira onda de 2020 deram impulso ao conceito de “proteção focada”. Nova York, Massachusetts e vários outros estados da região passaram por uma “pandemia dentro da pandemia”, afetando instituições de cuidados a idosos com residentes vulneráveis. O desastre nos lares de idosos ocorreu quase inteiramente devido a políticas equivocadas. Por exemplo, o governador de Nova York, Andrew Cuomo, emitiu uma ordem agora notória que exigia que as casas de repouso admitissem pacientes que retornavam e ainda estavam positivos para COVID. Ele fez isso por acreditar que a capacidade dos hospitais estava prestes a ser excedida e que, portanto, as casas de repouso poderiam receber o excesso de pacientes em convalescença da COVID, mesmo que ainda fossem contagiosos. Em vez disso, isso levou a surtos agudos nas instituições de cuidados a idosos, à medida que o vírus se espalhava entre os pacientes readmitidos e os funcionários. E isso, é claro, levou a uma taxa de mortalidade extremamente alta entre os residentes vulneráveis das casas de repouso.
A proposta de “proteção focada” da GBD basicamente argumentava que Cuomo e outros funcionários públicos haviam entendido tudo ao contrário. Eles direcionaram seus esforços para lockdowns em grande escala em toda a sociedade, sem abordar a vulnerabilidade dos lares de idosos e, em alguns casos, até mesmo agravando essa vulnerabilidade. Tudo o que a proteção focada pretendia fazer era redirecionar os recursos de saúde pública para ambientes conhecidos como vulneráveis, como asilos, ao mesmo tempo em que removia os lockdowns de larga escala social, que se mostraram completamente ineficazes para “achatar a curva” na primavera.
A ideia de uma Declaração surgiu pela primeira vez em algum momento do sábado, quando fizemos uma pausa para o almoço. Um dos cientistas sugeriu fazer uma lista de pontos-chave que resumisse os temas das sessões gravadas. Martin, Sunetra e Jay começaram a redigir a GBD a partir de suas anotações e lembranças após os painéis gravados e tinham um protótipo de texto pronto na tarde de sábado. Encerramos os painéis principais por volta da hora do almoço, e a maioria dos repórteres e funcionários partiu. Aqueles de nós que moravam nas proximidades, incluindo eu, ficamos por lá e atuamos como revisores improvisados enquanto Martin, Sunetra e Jay redigiam um primeiro rascunho na sala de estar, a mesma sala onde realizamos os painéis da conferência. Acredito que foi Martin quem propôs o nome Declaração de Great Barrington para o documento: era simples, chamava a atenção para os vídeos dos painéis da conferência e significava o local do evento, mas não era nada mais sofisticado do que isso.
Em algum momento da conversa, percebemos que precisávamos de um lugar para publicar a recém-batizada GBD na web. Lou Eastman, nosso engenheiro de sites, pegou seu laptop e reservou o nome de domínio na hora. Mal sabíamos ou esperávamos que ele teria que passar a noite inteira programando para configurar um site com largura de banda suficiente para as assinaturas públicas, que esperávamos que totalizassem alguns milhares. Assim que os cientistas tiveram um rascunho funcional, cada um deles alertou seus contatos na comunidade científica para reunir cerca de uma dúzia de cosignatários principais. Lembro-me da emoção quando um deles recebeu uma resposta por e-mail de Michael Levitt, ganhador do Prêmio Nobel e proeminente cético do lockdown, indicando que ficaria feliz em assiná-la. Reconheci o nome de Levitt porque, alguns meses antes, eu havia sido convidado a dar comentários via Zoom a um conselho municipal local na Califórnia sobre o impacto econômico dos lockdowns, e Levitt era o especialista médico que eles convidaram para o mesmo painel. Vários outros nomes reconhecíveis vieram dessa rede informal de críticos do lockdown entre a comunidade científica. Os autores também decidiram que limitariam a lista de signatários principais a cientistas médicos e especialistas em saúde pública, embora quisessem convidar o público em geral a assiná-la como uma petição. Eastman criou um formulário com essa função. Lembro-me de todos brincando que, se tivéssemos sorte, conseguiríamos 10.000 assinaturas.
Após uma revisão final, os cientistas transferiram o texto para um pendrive. Fui até o escritório da AIER e imprimi em papel do maior tamanho que nossas impressoras podiam acomodar. Esse papel se tornou a cópia assinada que digitalizamos e publicamos online. Realizamos a assinatura “oficial” no domingo, antes de todos partirem, quase como uma ideia de última hora. Usamos uma sala na mansão da AIER com painéis de madeira originais de mais de um século e que oferecia um belo cenário, mas que também foi escolhida no improviso. Logo, Martin, Sunetra e Jay partiram para o aeroporto em Hartford.
A reação
A resposta inicial à GBD foi quase totalmente positiva. Publicamos o documento e os vídeos na segunda-feira, se bem me lembro. As reportagens dos jornalistas presentes também começaram a aparecer em seus respectivos veículos, quase todas focadas no conteúdo dos painéis. A Declaração se tornou viral — e mais rápido do que qualquer um de nós imaginava. Suspeitávamos que ela poderia repercutir entre nossos leitores e os céticos do lockdown em geral, mas ela rapidamente se tornou manchete nacional.
Na noite seguinte, os três cientistas receberam ligações pedindo que participassem de uma entrevista no horário nobre da Fox News. O Wall Street Journal divulgou a notícia, e a GBD se tornou uma notícia nacional. No início, vimos uma onda de entusiasmo, como se as pessoas estivessem no aguardo de que alguém apresentasse argumentos contra o lockdown de forma estruturada. O público estava sedento por uma alternativa científica e credível a Fauci, e três cientistas altamente qualificados de Harvard, Oxford e Stanford se encaixavam perfeitamente nesse perfil.
Não demorou muito para que a narrativa da mídia desse uma guinada negativa, impulsionada principalmente por jornalistas que confundiram os limites entre reportagens objetivas e defesa pessoal do lockdown. Um dos primeiros exemplos de que me lembro veio de Stephanie Lee, repórter do BuzzFeed que vinha perseguindo Bhattacharya e alguns de seus colegas de Stanford há meses com insinuações conspiratórias de que a indústria aérea os estava financiando para promover uma reabertura prematura. Lee enviou um e-mail para a caixa de entrada da imprensa da AIER, que foi encaminhado para mim para resposta. A nota continha uma longa lista de perguntas abertamente hostis, quase nenhuma delas relacionada ao conteúdo da GBD ou a qualquer coisa discutida nos painéis gravados. Em vez disso, Lee nos bombardeou com solicitações cheias de insinuações sobre quem financiou a conferência, quanto custou a criação do site e se os participantes usaram máscaras faciais e aderiram a vários protocolos de distanciamento da COVID durante a viagem para Great Barrington. Ela também enviou o e-mail depois das 16h e exigiu uma resposta até o final daquele dia útil, menos de uma hora depois.
Lembro-me de ter rido do absurdo do inquérito de Lee. Todas as perguntas de Lee insinuavam uma conspiração fortemente financiada, envolvendo meses de coordenação secreta de alto nível e apoio generoso de fontes nefastas e não reveladas, em vez de uma conferência improvisada organizada com poucos dias de antecedência e um site criado às pressas. Lembro-me até de ter brincado com um dos meus colegas na época, dizendo que em seguida “ela iria pedir para ver os recibos da mercearia do café e da tábua de queijos consumidos durante os intervalos entre os painéis”. Genuinamente, achamos o pedido risível e tão abertamente hostil que decidimos sequer nos dar ao trabalho de lhe responder.
O próximo ataque da mídia veio um dia ou dois depois, em alguns tablóides do Reino Unido. Um blogueiro conspirador chamado Nafeez Ahmed descobriu que poderia enviar nomes falsos para a área da petição do site e começou a inundá-la com nomes como “Mickey Mouse”, além de gírias extremamente vulgares e palavrões. Ao mesmo tempo, Ahmed solicitava que outras pessoas fizessem o mesmo em suas redes sociais e, em seguida, “denunciava” as mesmas assinaturas falsas que havia instigado, para fabricar uma notícia. Nossa equipe da web corrigiu imediatamente a vulnerabilidade e conduziu uma auditoria para remover todas as assinaturas falsas em cerca de 24 horas após a descoberta. Mas o dano já estava feito. Ahmed criou sua própria campanha de assinaturas falsas e depois a denunciou como se fosse uma “notícia”, tudo para desacreditar a petição sem nunca ter que se envolver em seus argumentos científicos.
Quando essa linha de ataque se esgotou, nossos detratores passaram a uma nova série de ataques sobre o suposto financiamento “oculto” dos irmãos Koch, das grandes empresas de tabaco, das petrolíferas e de outros interesses corporativos que, de alguma forma, se beneficiariam com o fim dos lockdowns (embora nunca tenham realmente explicado como isso funcionaria, exceto por vagas alusões à “ganância”). Todos os aspectos desse ataque eram manifestamente falsos, mas se espalharam como fogo entre os defensores do lockdown na Internet — incluindo cientistas que deveriam ter mais sensatez antes de espalhar lixo conspiratório lascivo. David Gorski, professor de medicina da Wayne State University, acusou na imprensa que a GBD era um “programa eugênico” para eliminar os idosos da sociedade. Gavin Yamey, professor de medicina pró-lockdown da Duke, publicou um artigo insinuando que a GBD era financiada por uma pequena quantidade de ações de empresas de tabaco em um fundo de índice administrado pela subsidiária de investimentos da AIER. Não lhe ocorreu que a dotação e o nome de sua universidade vinham do magnata do tabaco da virada do século, James Buchanan Duke, tornando assim seu próprio status de emprego um exemplo muito mais direto do que o que ele alegava.
Outra linha de ataque inicial alegava que a GBD estava alimentando medos e “argumentando contra um espantalho”, porque os lockdowns da primavera já haviam ficado para trás. Eles descartaram completamente a ideia de que uma segunda rodada de lockdowns estava por vir. Um artigo amplamente divulgado da revista WIRED fez essa afirmação. Seu autor escreveu: “Quando os autores da Declaração de Great Barrington declaram sua oposição aos lockdowns, eles estão literalmente discutindo com o passado”. Isso foi em 7 de outubro de 2020.
Como descobri mais tarde por meio de solicitações da FOIA, Anthony Fauci era um grande fã desse artigo da WIRED e o divulgou entre seus contatos. Curiosamente, as mesmas vozes que acusaram a GBD de argumentar contra um “espantalho” no início de outubro quase todas se calaram sobre esse ponto algumas semanas depois, quando o Reino Unido, a Europa, o Canadá e alguns estados dos EUA reviveram suas políticas de lockdown em meio à onda de COVID no outono/inverno.
Quase todos os envolvidos na conferência da GBD enfrentaram reações adversas e difamação por parte dos defensores do lockdown. Atlas (que era a voz mais amigável à GBD na Força-Tarefa da Casa Branca contra a COVID), Kulldorff e Bhattacharya sofreram vários tipos de censura e redução do alcance de suas contas no Twitter após o evento. O conselho acadêmico de Stanford censurou Atlas em um ataque direto à sua liberdade acadêmica. Kulldorff foi posteriormente forçado a sair de um painel consultivo do CDC por expressar opiniões divergentes sobre a pausa da vacina da Johnson & Johnson, e então forçado a sair de Harvard por suas objeções à universidade acerca da exigência de vacinação para pessoas que tiveram testes de anticorpos positivos por imunidade natural.
A AIER viu seus próprios feeds de mídia social serem rebaixados e desclassificados nos resultados de pesquisa na web. Sites marginais anti-GBD, como o blog de Ahmed, receberam aumentos inexplicáveis nos resultados de pesquisa do Google News para “Great Barrington Declaration”, ficando à frente do Wall Street Journal, Bloomberg e outros veículos respeitáveis com cobertura mais neutra. Recebi ameaças violentas relacionadas à GBD e à minha postura contra o lockdown, e nosso escritório recebeu uma enxurrada de mensagens de ódio e mensagens de voz vulgares. Great Barrington é uma pacata cidade rural nas montanhas a oeste de Massachusetts — o tipo de lugar onde as pessoas não se preocupam com crimes ou invasores. A enxurrada de ameaças e assédio realmente abalou essa tranquilidade.
Sem que soubéssemos na época, grande parte do desprezo vinha dos mais altos escalões do governo. Vários meses após a GBD, um colega e eu decidimos apresentar um pedido com base na Lei de Liberdade de Informação (FOIA) ao Instituto Nacional de Saúde (NIH), por intuição, solicitando quaisquer registros públicos que discutissem a conferência ou a declaração. Finalmente recebemos nossa resposta em 17 de dezembro de 2021, com o primeiro lote de e-mails. Eu estava dirigindo de Massachusetts para a Virgínia pela New Jersey Turnpike quando meu colega Ethan Yang me ligou para informar que nosso pedido FOIA, há muito perdido, finalmente havia chegado. Ele me disse que eu iria querer ver o conteúdo imediatamente, então parei em um posto de descanso, conectei meu laptop a um hotspot móvel e li os PDFs. Fiquei boquiaberto quando vi o conteúdo, que confirmou nossas piores suspeitas.
Em 8 de outubro de 2020, cerca de quatro dias após a GBD, o diretor do NIH, Francis Collins, enviou a Fauci um e-mail com um link para o nosso site e um alerta sobre os “epidemiologistas marginais” que “tinham até mesmo a co-assinatura do ganhador do Prêmio Nobel Mike Leavitt” para contestar os lockdowns. “É preciso que haja uma refutação rápida e devastadora de suas premissas”, orientou Collins. “Ainda não vejo nada parecido online — isso está em andamento?”

Os e-mails que acompanhavam mostravam que a equipe de Fauci começou a trabalhar conforme as instruções. Eles começaram a selecionar listas de artigos da mídia contra a GBD, incluindo o artigo da WIRED mencionado acima. Em mensagens subsequentes entre Collins e Fauci, eles discutiram como o primeiro havia usado sua narrativa sobre “epidemiologistas marginais” em uma entrevista ao Washington Post. Outro conjunto de e-mails continha pesadas edições de informações privadas, mas sugeria fortemente que Collins, Fauci e Birx estavam elaborando estratégias para impedir Atlas de apresentar formalmente a GBD em uma próxima reunião da Força-Tarefa da COVID. A falta de qualquer discussão científica sustentou a resposta do NIH à GBD. Fauci e sua equipe basearam-se principalmente em artigos de opinião políticos para construir seus argumentos e elaboraram sua estratégia de “derrubada” partindo para o ataque na mídia. Os artigos e links anti-GBD que a equipe de Fauci divulgou consistiam quase inteiramente em jornalismo de opinião. Isso realmente destruiu qualquer imagem deles como especialistas apolíticos que “seguiam a ciência”, porque eles não estavam realmente lendo artigos científicos ou avaliando dados e evidências que pudessem desafiar suas suposições existentes sobre a resposta à pandemia. Eles estavam coletando argumentos políticos das páginas de opinião e, em seguida, repetindo-os para os repórteres como se fossem suas próprias avaliações científicas “especializadas”. A total falta de rigor na abordagem de Fauci à política de saúde pública ficou evidente com essa revelação. Atlas me disse mais tarde que teve uma experiência semelhante com Fauci na Força-Tarefa da COVID — ele levava artigos de revistas médicas para as reuniões mostrando os dados mais recentes e as últimas descobertas científicas, mas Fauci os ignorava sem nem mesmo olhar e voltava a usar os argumentos de artigos de opinião política. Acabei revelando a história do e-mail de Collins/Fauci ao mundo naquela noite, do meu laptop no estacionamento da rodovia New Jersey Turnpike. Tirei uma captura de tela do e-mail, postei online com uma tag indicando que era um novo e-mail de Collins/Fauci divulgado pela FOIA e voltei para a rodovia. Quando cheguei ao meu destino, o tuíte havia se tornado viral. No dia seguinte, virou notícia nacional. Nos meses seguintes, isso gerou investigações sobre Fauci e Collins. Tornou-se a base de um processo judicial anticensura que chegou à Suprema Corte. E, por fim, ajudou a desacreditar esses outrora celebrados funcionários da saúde pública aos olhos do público.
Ao relembrar esses eventos após cinco anos, fico imaginando quais outros caminhos o mundo poderia ter seguido se tivéssemos permitido um debate científico sobre os lockdowns antes de decidir por essa medida em março de 2020. A Declaração de Great Barrington surgiu por necessidade naquele outono, precisamente devido à demanda de avaliar as políticas de lockdown que estavam obviamente e claramente falhando em cumprir suas promessas. Ela não pretendia ter todas as respostas para a COVID-19, nem era a elaborada conspiração que nossos críticos alegavam. No entanto, teve o efeito claro de abrir o debate científico, e de fazê-lo contra a vontade de uma burocracia politizada de “saúde pública”. Aqueles de nós envolvidos na GBD foram atacados e difamados por nossas crenças sinceras e argumentos científicos. Mas, ao avaliarmos os eventos de 2020, os lockdowns foram desacreditados, a posição de Fauci perante o público passou por uma reavaliação, deixando sua reputação em frangalhos, e os argumentos substantivos da GBD resistiram em grande parte ao teste do tempo.
Fonte da tradução no The Freeman Substack, em 4 de outubro de 2025.
Tradução: Larissa Souza.
Phillip W. Magness é membro sênior do Independent Institute e titular da cátedra David J. Theroux em Economia Política. Ele atuou como pesquisador sênior no American Institute for Economic Research, como diretor do programa acadêmico do Institute for Humane Studies e como professor adjunto de Políticas Públicas na Escola de Políticas Públicas e Governo da George Mason University. Ele recebeu seu doutorado pela Escola de Políticas Públicas da George Mason University. Seu novo livro é The 1619 Project Myth.


