Por que precisamos da energia nuclear
Por Ralph Leonard1
As vantagens da energia nuclear são óbvias. Para começar, ela produz calor sem criar chamas e não emite poluição na forma de fumaça, sendo, desse modo, livre de emissão de carbono. Em segundo lugar, apesar do alto investimento envolvido na construção de uma usina nuclear, seus custos operacionais são geralmente baixos, uma vez que o urânio é barato e abundante. Além disso tudo, a energia nuclear fornece mais energia do que as fontes conhecidas como renováveis, como a solar, a eólica e a hidrelétrica, especialmente quando consideramos as dimensões do espaço ocupado por elas.
Em função da atual crise energética, além da necessidade de abandonar combustíveis fósseis e adotar alternativas livres de emissão de carbono para driblar as mudanças climáticas, a decisão do governo Britânico de aceitar financiar uma nova usina nuclear como parte de sua estratégia para tornar-se Net Zero em emissão de carbono2 é uma boa notícia. Uma decisão final a respeito da localização da usina ocorrerá em 2022.
George Freeman, ministro da ciência, pesquisa e inovação do Reino Unido, e uma figura-chave por trás dessa decisão, enfatizou que a energia nuclear pode trazer abundância energética: ela “tem o potencial de ser uma fonte de energia verdadeiramente revolucionária e inesgotável, nos ajudando a reduzir nossa dependência de combustíveis fósseis e a enfrentar as mudanças climáticas.”
Países como a África do Sul, a República Tcheca e a Romênia também estão aumentando seu uso de energia nuclear e fazendo dela a base de suas metas para alcançar uma produção energética livre de carbono. Outros países como a Alemanha, a Itália e a Bélgica, em contrapartida, estão fechando usinas nucleares ao invés de construir usinas novas. Em 2000, a parcela de energia nuclear na produção energética Alemã era de aproximadamente 29%. O país, contudo, atualmente planeja cortar tanto a energia nuclear quanto as fontes de energia emissoras de carbono até 2022. O principal motivo para isso é a forte campanha do Partido Verde Alemão, que tem expressado preocupações sobre saúde e segurança no que diz respeito à energia nuclear. Em abril deste ano, o governador do estado de Nova York, Andrew Cuomo, autorizou o fechamento da usina nuclear de Indian Point, 48 quilômetros ao norte da cidade de Nova York, apesar das autoridades a considerarem segura, e a despeito da usina fornecer a maior parte da energia limpa da cidade.
Os compromissos dos governos de abandonar a energia nuclear são geralmente acompanhados de promessas de compensação através do aumento do investimento em fontes de energia renováveis. Contudo, na maioria dos casos, esses investimentos falham em reduzir substancialmente as emissões de carbono. Na Alemanha, quando as usinas nucleares foram fechadas, houve um aumento inicial nas emissões até que, eventualmente, os investimentos em fontes renováveis não resultaram em muito mais do que uma substituição da produção energética das usinas fechadas, com o desfecho de que o nível de consumo de combustíveis fósseis não diminuiu em relação a antes. (A intensidade carbônica da Alemanha continua maior que a média da União Europeia.) Em Nova York, planeja-se compensar a falta de abastecimento energético causada pelo fechamento da usina nuclear de Indian Point com três novas usinas de gás natural, o que resultará no aumento da poluição.
Reduzir o investimento em energia nuclear simplesmente não torna possível aos países reduzir o consumo de combustíveis fósseis. Os países desenvolvidos que mais descarbonizaram suas redes de abastecimento, ou estão caminhando nesse sentido, como a França, a Finlândia e a Suécia, têm tido sucesso usando energia nuclear ou hidrelétrica (ou uma combinação de ambas) em conjunto com o aumento das energias eólica e solar. Isso funcionou porque as fontes nuclear e hidrelétrica são confiáveis, eficientes e capazes de produzir eletricidade constantemente, sem precisar esperar que o sol brilhe ou o vento sopre. Enquanto as limitações das fontes renováveis podem (ou não) ser resolvidas através de pesquisa e desenvolvimento, atualmente elas não são eficientes ou potentes o suficiente para suprir a necessidade de energia limpa por si só — mesmo quando essa energia pode ser armazenada, por exemplo, em baterias.
Por isso, ao menos por enquanto, a energia nuclear deve ser integrada ao processo de alcançar em tempo uma civilização pós-carbono. Na verdade, muitos ambientalistas influentes, incluindo Mark Lynas, James Lovelock (o fundador da hipótese de Gaia) e George Monbiot, do The Guardian, defendem a energia nuclear como uma necessidade imediata — mesmo que alguns deles tenham sido céticos e não a vejam como ideal. Zion Lights, previamente uma ativista do movimento Extinction Rebellion que se opunha à energia nuclear, mudou seu posicionamento e agora aceita essa opção como a próxima “etapa lógica” no objetivo de combater as mudanças climáticas. Gerry Thomas, da Imperial College London, um dos maiores especialistas sobre os impactos dos acidentes de Chernobyl e Fukushima na saúde, também é a favor da energia nuclear.
Dada a magnitude das ameaças ecológicas que as mudanças climáticas representam, por que tantos daqueles mais alarmistas e apocalípticos em relação às questões ambientais estão entre os que mais se opõem ao uso de energia nuclear? Certa oposição, como esperado, vem daqueles que lucram com combustíveis fósseis e fontes de energia renováveis. E muitos ataques à produção de energia nuclear parecem ser motivados mais por emoções viscerais do que argumentos racionais. O movimento Extinction Rebellion, por exemplo, retrata a energia nuclear como sendo o excremento do diabo, ao passo que as renováveis seriam “verdadeiramente limpas”, sugerindo que são de alguma forma mais moralmente puras. Sem dúvida, parte da oposição é fundamentada na noção de que a fissão nuclear pode tanto ser usada para abastecer cidades inteiras, como também em armas capazes de destruí-las.
É compreensível que muitas pessoas intuitivamente associem a energia nuclear com armas nucleares e, consequentemente, com os horríveis bombardeios à Hiroshima e Nagasaki e a sombria ideia da destruição que poderia resultar de uma guerra nuclear. Contudo, nós podemos (e precisamos) estabelecer uma diferença entre a tecnologia nuclear usada para gerar eletricidade e aquela usada para fazer armas. O uso de fissão nuclear possui outros benefícios como, por exemplo, seu uso na medicina para produzir isótopos radioativos que tratam o câncer e ajudam a diagnosticar doenças. Seria absurdo sugerir que médicos não deveriam usar a tecnologia de fissão nuclear porque armas nucleares existem. Algo que pode ser usado para a destruição em um contexto pode ser usado com o propósito de beneficiar a sociedade em outro contexto.
Além disso, usinas nucleares se tornaram muito mais seguras ao longo dos anos, embora a percepção do público não tenha acompanhado esses avanços de modo geral. Os reatores em muitas usinas nucleares têm mais sistemas de segurança do que as usinas mais antigas. Eles possuem, por exemplo, sistemas de resfriamento de emergência duplos para prevenir o sobreaquecimento mesmo em caso de falha no sistema. São os chamados “core catchers”, usados para conter o núcleo do reator no pior cenário de derretimento nuclear. Há também sistemas de segurança passivos (procedimentos de mitigação de emergência que não requerem intervenção humana direta), incluindo sistemas que usam a gravidade para desativar automaticamente os reatores em caso de acidente, e que permitem um monitoramento remoto ativo das suas condições. Os projetos propostos para novas usinas incluem ainda mais atributos novos de segurança.
Outra fonte de oposição parece ser a tendência de alguns ambientalistas de verem a sociedade através de uma lente malthusiana pessimista. Eles acreditam que o estilo de vida moderno é execrável: que nós consumimos demais, comemos demais, nos reproduzimos demais, usamos energia em excesso e extraímos os recursos do planeta além da conta — tudo isso para que sociedades que eles encaram como espiritualmente estéreis e materialistas sejam possíveis. Sua mitologia parece enxergar tais atividades como sendo algum tipo de abuso à Mãe Natureza, e que a levariam a punir a humanidade, exatamente como é dito que Zeus torturou Prometheus por ter desafiado sua autoridade divina presenteando as pessoas com o fogo.
Esse tipo de ambientalismo parece temer que a energia nuclear dê à sociedade uma espécie de carta branca, permitindo que a Babilônia da civilização moderna continue com seu estilo de vida glutão, excessivo e repulsivo, enquanto evitam o que eles enxergam como os benefícios morais da austeridade. Essa visão de mundo é baseada na mesma premissa falsa do malthusianismo: ela subestima grosseiramente a capacidade humana de usar seus recursos de forma inovadora, criativa e socialmente benéfica. Fora isso, suas aspirações para o alívio do sofrimento humano são mesquinhas. Nas regiões mais pobres e privadas de cobertura elétrica, por exemplo, usinas nucleares poderiam fornecer energia em abundância, o que consequentemente também poderia favorecer a produção de comida e água limpa em abundância, ajudando a retirar milhões de pessoas da pobreza. A descoberta que átomos podem ser divididos para gerar energia é um exemplo da engenhosidade humana. Seria ridículo não aproveitarmos essa engenhosidade para combater as ameaças à prosperidade humana, como as mudanças climáticas.
A energia nuclear, obviamente e como a maioria das coisas, tem desvantagens que precisam ser abordadas. Seu calcanhar de Aquiles são os resíduos radioativos. É essencial que esses resíduos sejam descartados de forma segura. A maior parte da preocupação com essa questão, porém, é antiquada. Não apenas a quantidade de resíduos produzidos pelos reatores de hoje é menor que a dos reatores antigos, como boa parte dela pode ser reciclada para gerar ainda mais energia.
Outra objeção para a produção de energia nuclear é que ela requer a mineração de urânio. Já que a maior parte do urânio foi e provavelmente continuará sendo minerado em países pobres, há a preocupação de que os países ricos serão beneficiados em detrimento dos primeiros, em um eco do colonialismo maléfico do passado. Por exemplo, se um recurso natural de um país é massivamente explorado e exportado, seus ecossistemas podem eventualmente ficar prejudicados, e a sua economia pode se tornar muito dependente de uma única indústria, tornando-se então vulnerável à exploração.
Essa preocupação a respeito da exploração mineral, porém, se aplica tanto às fontes renováveis quanto à energia nuclear. A construção e operação de painéis solares, turbinas eólicas e baterias que armazenam energia renovável requerem a mineração de lítio e outros minerais, resultando na mesma extração destrutiva. Ademais, tais fontes possuem seus próprios tipos de destruição ambiental. Turbinas eólicas são conhecidas por ocasionalmente matar pássaros e morcegos. A criação de fazendas solares requer a conversão de extensos terrenos para esse propósito, prejudicando os habitats da vida selvagem. É verdade que a extração de recursos naturais, independentemente de como realizada, necessariamente afeta o meio ambiente e a economia local. Mesmo assim, ela é essencial para manter um mundo no qual seres humanos podem prosperar. Isto posto, a resposta racional não é banir a extração de recursos naturais, mas aplicar a engenhosidade humana para encontrar formas de mitigar seus efeitos negativos. Um bom começo seria colaborarmos para criar regulamentos ambientais e trabalhistas melhores, além de demandarmos boas condições de trabalho.
Usinas nucleares podem ter sido démodés em algum momento, mas isso tem que mudar. Hoje, a oposição à energia nuclear é baseada parte em informações desatualizadas ou incompletas, e parte em pensamento mágico. Se queremos resolver o problema da mudanças climáticas, o mínimo que podemos fazer é evitar fechar usinas nucleares consideradas seguras e construir novas usinas. Nós podemos, ao menos, usá-las para mitigar as mudanças climáticas até que a engenhosidade humana produza uma alternativa ainda melhor, mais limpa e mais potente que possa atender às demandas energéticas do mundo.
Original em Areo, 3 de novembro de 2021.
Tradução: Vinícius da Cunha3
Revisão: Ágata Cahill
Algumas adaptações foram feitas para fins de clareza.
Ralph Leonard é um escritor britânico-nigeriano que escreve sobre política internacional, religião, cultura e humanismo.
N. da R.: Net Zero é um título acima do título de neutralidade de carbono. A neutralidade de carbono de uma empresa ou país ocorre quando este não emite de forma direta qualquer equivalente de dióxido de carbono na atmosfera. Uma empresa ou país Net Zero, porém, envolve também a não-emissão indireta desses componentes em sua cadeia de valor, o que inclui os fornecedores e seus próprios produtos.
Vinícius da Cunha é um professor de inglês, residente em Brasília, com interesse particular em línguas, arte, computação e tecnologia em geral.