O tabu da inteligência
Richard Haier e seus 40 anos desfazendo os terraplanismos academicamente aceitos sobre desempenho cognitivo
Inteligência é um dos assuntos mais bem pesquisados da psicologia. Estranhamente, as atitudes de psicólogos, educadores e mesmo do público em geral não acompanham esse compasso.
“Inteligência? Não é tão importante, tem que considerar os privilégios de classe”. “Eugenia!”. “Ah, ninguém conseguiu chegar a uma definição de inteligência até hoje”. “QI? hahaha! Que ultrapassado!”. “Espera, é século XXI e ainda tentam mensurar a inteligência?”
Não se trata de caricatura. Esses comentários resumem a maioria das críticas recebidas quando abordo esse tema. Eles resumem as reações às minhas críticas recém publicadas sobre a querida teoria das múltiplas inteligências.
Ao ser pronunciada, essa palavra maldita faz os músculos dos presentes se tensionarem. O volume da conversa diminui. Aparece um senso de urgência que leva o interlocutor a dizer:
— Espera, mas inteligência não é tudo. Muitas outras coisas importam.
Já me disseram que inteligência não deveria ser estudada porque é um campo politicamente problemático.
Esse é o clima tenso que domina as universidades, que leva esse campo de pesquisa a começar não com hipóteses, mas pedindo licença para existir. Não porque lhe faltem dados, mas porque a história recente ensinou que certas perguntas exigem cuidado extra para não ultrapassar limites invisíveis.
Pesquisadores mais antigos lembram de épocas em que resultados sólidos produziam reações que iam além da crítica acadêmica. Essas lembranças raramente aparecem nos artigos, mas moldam comportamentos.
Foi nesse clima que Richard Haier construiu sua carreira. Nas últimas semanas, devorei suas entrevistas, li vários artigos. Sua coragem de tocar em temas polêmicos é impressionante — estar aposentado facilita as coisas, já que não tem uma carreira para proteger. Enquanto o debate público se organizava em torno de cautelas morais, ele voltou a atenção para imagens, medições e padrões cerebrais. A inteligência — essa palavra dita com hesitação — seria o seu objeto de trabalho.
Um dos poucos que não se esquivaram
Richard Haier é psicólogo de formação e construiu sua carreira acadêmica na Universidade da Califórnia, em Irvine, onde passou décadas estudando inteligência a partir de uma abordagem ainda pouco comum quando começou: observar o cérebro em funcionamento. Desde os anos 1980, Haier publicou de forma consistente sobre desempenho cognitivo, eficiência neural e inteligência geral, aplicando técnicas de neuroimagem como PET e, mais tarde, ressonância magnética funcional. Em vez de propor novas definições conceituais, concentrou-se em medir diferenças reais e recorrentes. Organizou volumes acadêmicos dedicados à neurociência da inteligência, ajudando a consolidar um campo que preferia dados cumulativos a disputas terminológicas.
Ao longo dessa trajetória, Haier se manteve distante de embates ideológicos públicos. Seu interesse declarado, em entrevistas e textos, sempre foi menos filosófico do que empírico: entender o que muda biologicamente quando tarefas cognitivas se tornam mais fáceis para algumas pessoas do que para outras. Ele costuma insistir que discutir educação, intervenção ou equidade sem levar em conta a biologia da inteligência é, no mínimo, incompleto. Em vez de perguntar o que a inteligência deveria significar, voltou-se para o que o cérebro faz sob demanda cognitiva. Em diferentes ocasiões, afirmou que gostaria de poder avançar décadas no futuro para ver até onde essa linha de pesquisa chegou — um sinal de que, para ele, o campo ainda está longe de resolvido.
Não é que não sabemos, é que não gostamos da resposta
O tipo de pergunta que Richard Haier decidiu não contornar não era nova. O desconforto em torno dela tampouco.
Desde o início do século XX, um mesmo resultado reaparece insistentemente: medidas distintas de desempenho cognitivo tendem a se correlacionar. Mudaram os testes, mudaram os nomes, mudaram as justificativas teóricas. O padrão permaneceu. Sempre que habilidades mentais são medidas em grandes amostras de pessoas com algum rigor, os desempenhos tendem a crescer juntos na mesma direção. Não é uma descoberta recente. É tão repetida que chega a ser tediosa.
Psicólogos e educadores passaram a conviver com esse dado de várias maneiras. Negando explicitamente. Ignorando a informação como se fosse uma fofoca de família que todos se esforçam para abafar. Reformulando a pergunta até que a resposta deixe de incomodar. Fingindo “demência”, o que aparece particularmente quando todos negam saber do que se trata, mesmo que vagamente, a palavra inteligência.
Isso tudo pode ser descrito como uma espécie de terraplanismo acadêmico. É uma prática institucional refinada que inclui negação coletiva de um campo de estudos inteiro, até a suavização de seu relevo teórico até que ninguém tropece.
Haier conta em várias de suas entrevistas que o episódio que cristalizou esse padrão ocorreu em 1969. Ao publicar um artigo técnico sobre os limites das intervenções educacionais no aumento do QI, o psicólogo Arthur Jensen não apresentou dados revolucionários. Reorganizou evidências existentes e tirou conclusões desconfortáveis. A reação foi imediata e desproporcional. Em Berkeley, Jensen teve aulas interrompidas por protestos, passou a lecionar sob escolta policial e recebeu ameaças que extrapolavam em muito a crítica acadêmica. A refutação empírica levou anos para chegar. A condenação moral, por sua vez, foi instantânea.
O recado foi assimilado rapidamente. A partir dali, sugerir uma base genética para diferenças cognitivas deixou de ser apenas controverso. Tornou-se um risco profissional.
A inteligência geral não desapareceu.
Foi empurrada para a periferia respeitável.
Fator g, o elefante na sala
O padrão que tornou o artigo de Arthur Jensen tão radioativo já tinha nome havia décadas. Desde o início do século XX, psicometristas o chamam de fator g, abreviação discreta para inteligência geral. Trata-se de uma constatação simples e inconveniente: desempenhos cognitivos distintos tendem a se correlacionar. Quem vai bem em uma tarefa costuma ir bem em várias outras. O desconforto nunca esteve no dado, mas no que ele sugere.
A resposta institucional a esse incômodo foi engenhosa. Em vez de negar o g, preferiu-se fragmentá-lo ou empurrá-lo para níveis cada vez mais abstratos. O dado permanecia; sua centralidade, não. O elefante continuava na sala, mas passava a ser descrito como consequência secundária da mobília.
Quando Linda Gottfredson coordenou, em 1994, o documento Mainstream Science on Intelligence — uma lista cautelosa de consensos empíricos assinada por dezenas de especialistas — a reação não se concentrou nos pontos apresentados. Concentrou-se no gesto de torná-los públicos. O texto foi tratado como manifesto ideológico, apesar de se limitar a sintetizar resultados amplamente aceitos na literatura. Gottfredson não foi refutada; foi progressivamente deslocada para fora do centro do debate.
No mesmo ano, a publicação de The Bell Curve, de Richard Herrnstein e Charles Murray, tornou o mecanismo visível em escala maior. Antes que críticas técnicas detalhadas fossem formuladas, vieram protestos, boicotes e condenações morais. Décadas depois, o livro continuava a operar como marca radioativa, suficiente para encerrar discussões antes que os dados fossem examinados.
Foi nesse cenário que Richard Haier decidiu tratar o g não como abstração estatística, mas como fenômeno que exigia explicação biológica. Se o público se recusava a aceitar o dado, talvez fosse necessário mostrar onde ele aparecia — não em gráficos, mas no cérebro em funcionamento.
O cérebro que pensa melhor
Se diferenças cognitivas já apareciam como padrões estáveis no cérebro em funcionamento, a pergunta seguinte era inevitável: o tempo as dissolve ou as consolida? Durante décadas, a explicação preferida foi ambiental. Escolas melhores, famílias mais estimulantes, contextos mais ricos — a inteligência, nessa leitura, responderia sobretudo às condições imediatas. À medida que as oportunidades se acumulassem, as diferenças tenderiam a diminuir. O tempo faria o trabalho de nivelamento.
Quando os dados passaram a ser acompanhados ao longo da vida, essa expectativa perdeu sustentação. Um dos resultados mais consistentes da literatura comportamental é o aumento progressivo da herdabilidade da inteligência com a idade. Na infância, fatores genéticos explicam uma parcela moderada da variância. Com o passar dos anos, essa parcela cresce. O ambiente familiar, central nos primeiros anos, perde poder explicativo à medida que os indivíduos selecionam e moldam seus próprios contextos.
Esse padrão tornou-se particularmente visível em estudos longitudinais raros, nos quais as mesmas pessoas são avaliadas com décadas de intervalo. Em uma coorte escocesa amplamente citada, crianças testadas aos 11 anos foram reavaliadas por volta dos 70. A correlação entre os desempenhos permaneceu alta. A inteligência inicial não previu apenas desempenho acadêmico ou ocupacional, mas também desfechos mais amplos, como saúde e longevidade. O tempo, longe de dissolver as diferenças, tornou-as mais nítidas.
A reação a esses achados seguiu um roteiro conhecido. Os resultados foram aceitos tecnicamente, mas enquadrados como exceções históricas ou curiosidades demográficas. O foco deslocou-se para ressalvas metodológicas, enquanto a implicação central permanecia pouco discutida: diferenças cognitivas são notavelmente estáveis, e intervenções tardias têm alcance limitado.
Aqui, o terraplanismo acadêmico assume sua forma mais refinada — não negar os dados, mas insistir que, com políticas adequadas, eles deixarão de importar, mesmo quando os dados indicam o contrário.
“Tudo é política”
Esses achados todos só diminuíram a disposição em discutir suas implicações. O silêncio deixou de ser contingente e virou norma.
A tomada do campo pela política ficou cada vez mais evidente — e isso já havia ocorrido antes mesmo de Murray ou Gottfredson. Nos anos 1970, William Shockley, laureado com o Nobel de Física, passou a defender publicamente que diferenças médias de QI entre grupos raciais teriam base genética significativa e chegou a propor incentivos financeiros para a esterilização voluntária de indivíduos com baixo desempenho cognitivo. Essas posições iam muito além das evidências disponíveis e misturavam inferência científica frágil com propostas normativas explícitas. A reação institucional foi rápida. Shockley não foi apenas criticado por suas ideias; foi progressivamente isolado. Convites cessaram, sua presença passou a ser tratada como constrangimento, e o erro deixou de ser pontual para marcar toda a carreira. O episódio passou a funcionar menos como debate e mais como advertência. O recado foi claro — e durável.
Esse episódio ditou a atitude dali em diante. O campo da inteligência passou a ser tratado, em seus espaços mais visíveis, como um território prescritivo e politicamente carregado, não apenas como uma área empírica. Resultados inconvenientes não precisavam ser negados frontalmente; bastava contorná-los. Dados sobre herdabilidade, correlações genéticas ou validade preditiva continuaram a ser produzidos, mas discutir suas implicações passou a ter custos profissionais claros. A negação deixava de ser explícita e passava a operar por contenção.
Esse padrão reaparece na genética comportamental contemporânea. Pesquisadores relatam, informalmente, a necessidade de escolher temas e termos com cuidado excessivo, não por falta de evidência, mas pela previsibilidade da reação. Sociedades científicas, como a Behavior Genetics Association, operam sob vigilância moral constante. A autocensura não é imposta; é aprendida.
A postura política fecha os olhos para o que Haier chama de neuro-pobreza: a constatação de que o mundo moderno pressupõe um nível mínimo de capacidade cognitiva para operar com sistemas abstratos, instruções escritas, burocracias digitais e decisões probabilísticas — e que a capacidade cognitiva de lidar com esse mundo não se distribui igualmente. Ignorar esse fato empilha custos e mais custos cotidianos. Formulários não preenchidos, regras mal compreendidas, escolhas ruins repetidas. Existem riscos reais em ignorar a desigualdade cognitiva.
E, algumas vezes, essa recusa se transforma naquilo que aqueles que mais gostaríamos de evitar: acusações injustas de preguiça, desinteresse ou falha moral.
Haier fala disso muito naturalmente. Seu interesse nunca foi legitimar hierarquias nem fornecer munição ideológica, mas compreender a base biológica da inteligência o suficiente para imaginar intervenções que não dependessem apenas de esperança ou retórica. Em entrevistas, ele costuma insistir que discutir educação, equidade ou inclusão sem levar em conta diferenças cognitivas mensuráveis é uma forma de autoengano bem-intencionado. Precisamos de educação sem romantismo — o autoengano que insistimos em cultivar impossibilita esse projeto.
Quando a negação se torna política científica, o debate ético não desaparece. Ele apenas passa a acontecer sem dados claros à mesa — e, nesse ponto, a cautela deixa de proteger a ciência. Passa a limitá-la.
O preço a ser pago é um tiro no pé
Ao longo de quatro décadas, Richard Haier não se apresentou como dissidente nem buscou confronto público. Seu trabalho avançou de forma incremental, técnica e pouco espetacular — exatamente o tipo de ciência que costuma sobreviver ao escrutínio metodológico. O conflito não surgiu porque suas conclusões fossem extremas, mas porque eram previsíveis demais. Quando resultados desconfortáveis se repetem com consistência, a dificuldade deixa de ser científica.
A história recente da pesquisa em inteligência mostra que o problema nunca foi falta de dados. As correlações existem, a estabilidade ao longo do tempo foi documentada, a base biológica tornou-se cada vez mais difícil de ignorar. Ainda assim, o campo desenvolveu estratégias refinadas para conviver com essas evidências sem permitir que reorganizassem o quadro geral. Não houve censura explícita, mas contenção respeitável. O mapa foi preservado; o relevo, suavizado.
O custo dessa escolha aparece fora dos artigos. Ao evitar nomear diferenças cognitivas persistentes, políticas públicas passaram a operar com expectativas irreais. Limitações reais foram reinterpretadas como falhas morais. A desigualdade não desapareceu; apenas mudou de linguagem.
No fim, o maior risco nunca foi estudar a inteligência. Foi fingir que não sabíamos o suficiente — e organizar instituições inteiras em torno dessa ficção confortável.





