Negacionismo científico à esquerda e à direita
O progresso realmente tem a ver com seguir adiante? Nós achamos que não. É tempo de parar de assumir que descobertas nos movem apenas para frente. A guerra contra a natureza precisa acabar. E nós vamos acabar com ela.
Lord Peter Melchett (então diretor do Greenpeace)
No mundo ideal, evidências teriam mais peso do que opiniões subjetivas. Em nossos processos de tomada de decisão e formação de opiniões, no mundo ideal, estudos e dados teriam maior credibilidade do que achismos pessoais. Mas nós não vivemos nesse mundo ideal.
O método científico nos deu a oportunidade de desenvolver vacinas, remédios e alimentos geneticamente modificados que tornam o cidadão médio hoje mais abastado e longevo do que reis jamais foram. Mas organizações famosas, como o Greenpeace, negam a segurança e a vantagem dos alimentos geneticamente modificados. Eles chegam a encarar a ciência como uma guerra contra a natureza. E tal como há criacionistas e terraplanistas que negam conhecimentos básicos aprendidos no Ensino Médio, há um número crescente de pessoas (inclusive médicos) que defendem a medicina alternativa (como homeopatia para tratar COVID).
Às vezes, autoridades públicas compram essa narrativa, e isso acontece antes mesmo da tal pós-verdade começar. Se o governo de Bush foi marcado pelo negacionismo da teoria da evolução e da eficiência dos remédios contra a AIDS, o governo Obama foi marcado por financiar a riquíssima indústria natureba que ignora evidências da vantagem dos alimentos transgênicos em prol dos orgânicos e dos complementos vitamínicos.
Não é por acaso que grande parte dos americanos não sabe que a Terra gira em torno do Sol. Não é à toa que mais pessoas acreditam em astrologia e paranormalidade do que na teoria da evolução. Não surpreende doenças erradicadas estarem voltando.
Nada disso é inesperado: as pessoas usam mais a intuição do que a razão. Além disso, a maioria não entende o suficiente de ciência. Assim, tornam-se presas fáceis para todo tipo de lero-lero. E não se engane: ser analítico e ler livros de divulgação científica não são certificados de imunidade ao problema. Indivíduos mais racionais também podem tender contra evidências e ser convencidos por pseudociências quando fazê-lo confirma suas crenças preexistentes.
Isso acontece porque as opiniões racionais começam com intuições, com sentimentos de que uma coisa parece mais certa ou verdadeira do que outra. E essas intuições são calibradas imperceptivelmente pelo grupo social com o qual nos identificamos. Evoluímos para concordar com a tribo, não para procurar pela verdade. Quando os dados discordam das crenças, é porque os dados estão errados.
No mundo moderno, essas tribos são as ideologias políticas. Elas reúnem pessoas que acreditam intuitivamente em diferentes princípios. Nem acadêmicos cientificamente treinados escapam desse viés. Eles se negam a abandonar suas intuições em prol das evidências tanto quanto leigos. Ao longo desse texto, você vai entender por que.
Racionalidade e credulidade
Atingimos o mais elevado estágio na cultura moral quando reconhecemos que devemos controlar nossos pensamentos.
Charles Darwin, The Descent of Man (1871, p. 60)
Eu estaria mentindo se dissesse que a razão não é importante. Pessoas mais analíticas são justamente aquelas que freiam suas intuições, analisando os prós e contras antes de tomar uma decisão. São pessoas capazes de construir um modelo mental da situação e fazer simulações da realidade antes de agirem.
Pessoas menos analíticas (mais intuitivas) acreditam mais em explicações sobrenaturais, criacionismo, teorias conspiratórias e medicina alternativa. Isso faz sentido, já que tais crenças apelam para nossas intuições, que por definição são mais rápidas e difíceis de controlar. Por exemplo, explicações sobrenaturais frequentemente se baseiam na intuição de que seres vivos possuem essências ou energias vitais que sobrevivem à morte.
O criacionismo se baseia na percepção comum de que espécies são formas fixas encontradas na natureza e que estão fadadas a cumprir um propósito (télos). O gato teria uma essência de gato para fazer coisas de gato, enquanto o cachorro, uma essência de cachorro para fazer coisas de cachorro. Esse é um raciocínio tão poderoso e simples que baseou a biologia aristotélica por milênios. A teoria da evolução de Darwin quebrou essa intuição ao propor que indivíduos variam ligeiramente mesmo numa mesma espécie, e que essas variações vão se acumulando ao longo de gerações e gerações, até produzir novas formas.
A crença na medicina alternativa e em tratamentos espirituais se baseia num viés semelhante. Os usuários acreditam que o que é natural é bom. Tratamentos homeopáticos seriam mais naturais e eficientes do que vacinas porque tratariam a doença sem jogar “químicos” no organismo. Eles ignoram que nosso corpo não só é feito de “química” como também está trocando “químicos” constantemente com o ambiente.
Pseudociências como essas muitas vezes compõem um esquema de crenças maior, as teorias da conspiração. Por exemplo, “a medicina alternativa funciona melhor que a medicina alopática, você só não sabe disso porque um complô entre médicos e a indústria farmacêutica impede essa verdade de vir à tona”. Crenças conspiratórias são disparadas em situações de ameaça. São formas rápidas e simples de dar significado ao caos. Diante do perigo, as pessoas não vão pensar analiticamente e considerar evidências - elas vão montar narrativas simples e eficientes, antes que seja tarde.
Teorias conspiratórias respondem aos nossos anseios de procurar um responsável por um grande e “inexplicável” problema. Por isso que judeus foram culpados muitas vezes na história por epidemias na Europa. Por isso que o assassinato de JFK só pode ter sido cometido com a ajuda da CIA, assim como a facada no Bolsonaro só pode ter sido um plano patrocinado pelo PT. E, claro, a pandemia de COVID-19 só pode ter sido arquitetada intencionalmente pelo Partido Comunista Chinês.
Usando a razão convenientemente
A razão, nessa perspectiva, parece mais com um advogado defendendo uma posição em particular do que um cientista desprovido de paixões em busca da verdade.
Cory Clark & Bo Winegard (p. 3)
Mas isso não significa que sendo racional solucionamos o problema da crença em pseudociências, conspirações e do negacionismo científico. A razão pode até agravar o problema. Pessoas mais racionais e mais instruídas apenas gozam de um maior número de elementos cognitivos para criar melhores explicações para as crenças intuitivas que defenderiam de um jeito ou de outro.
Essa é a razão pela qual a polarização política em torno de temas como aquecimento global é maior entre pessoas mais escolarizadas. Conservadores com mais conhecimento científico duvidam ainda mais do aquecimento global, enquanto progressistas escolarizados duvidam ainda menos. Eles são mais extremistas porque acham que suas respectivas crenças estão mais embasadas.
Tribalismo político
A guerra é a continuação da política por outros meios.
Carlvon Clausewitz
Intuições são geradas por temperamentos, mas são desenvolvidas junto com nossa identidade grupal. Isso significa que o mesmo sistema que é mobilizado quando você sente cheiro de comida estragada também é mobilizado quando você vê uma pessoa de um grupo rival, que defende valores diferentes dos seus, ou que meramente carrega uma bandeira diferente da sua. É aquele famoso feeling de não ir com a cara de uma pessoa sem ter um motivo racional para isso. Se você não vai com a cara dela, então você não vai concordar com o que ela defende. E se as evidências mostrarem que ela está certa, você vai negar sua validade. O negacionismo científico surge na política porque política não é sobre racionalidade, é sobre coesão grupal.
O perfil psicológico conservador e progressista
Mas quais são esses tais valores defendidos por cada ideologia?
O espectro ideológico da direita (conservadores) possui tendências psicológicas ligadas à diminuição de incertezas e inseguranças. Elas querem conservar a ordem e a estabilidade social, e uma das formas de fazer isso é se apoiar na tradição. A tradição torna o mundo menos caótico, oferecendo papéis sociais e costumes que guiam as relações. E tal ordem é mantida por autoridades (religiosas, políticas, familiares), daí o apoio dos conservadores à autoridade e a ênfase moral na lealdade.
No campo econômico, os conservadores defendem o livre mercado. Isso é compatível com a crença conservadora nos limites da racionalidade para diminuir o caos e as injustiças. Decidir de cima para baixo como a sociedade e a economia devem ser simplesmente não dá certo. Ou seja, conservadores aceitam a desigualdade (não confundir com miséria) como um dado da realidade, não como algo que deva ser buscado. Segundo essa lógica, usar a racionalidade para criar um sistema perfeito, sem desigualdade, simplesmente não funciona. Seria impossível pensar em todas as variáveis existentes e suas múltiplas interações para criar esse tal sistema perfeito.
Já o espectro da esquerda (progressistas ou liberals) defende o oposto. Enquanto conservadores em teoria querem conservar, progressistas querem mudanças rápidas e profundas.[ref]N da R.: Aqui vale esclarecer o óbvio: que uma ideia é mais defendida por conservadores não implica que ela não pode trazer mudanças (inclusive sociais) positivas, assim como ideias mais defendidas por progressistas não necessariamente levarão a algum tipo de progresso. Devemos julgar ideias pelo seu conteúdo, não pelos seus rótulos.[/ref] A esquerda está mais disposta a destruir a ordem social para erigir uma melhor, enquanto a direita tende a defender reformas cautelosas. No campo econômico, a esquerda defende a intervenção do estado. Para eles, seria a única forma de garantir a diminuição das desigualdades que emergem naturalmente do jogo econômico. O papel do Estado seria corrigir as assimetrias, que podem ser naturais ou fabricadas.
Negacionismo na direita
Durante muito tempo acreditou-se que essas diferenças entre os espectros políticos tornariam a direita mais negacionista que a esquerda. Como a direita é mais cautelosa com grandes mudanças, preferindo a estabilidade da tradição, a constante autorrevisão da ciência soa caótica demais. É como se pensassem: “como vamos acreditar na ciência se o que é verdade hoje não é mais verdade amanhã?”.
Muitas evidências de fato sugerem uma assimetria. Conservadores (estatisticamente) são menos analíticos, têm menor QI e se deixam levar mais pelo pensamento de grupo. Isso tem a ver com se deixar levar pelo status quo, pela tradição. Por outro lado, contestar a ordem estabelecida, o que é típico de movimentos de esquerda, requer certas habilidades para questionar e racionalizar erros no mainstream e soluções alternativas. Por isso que geralmente os grupos opositores do status quo (esquerda) são mais problematizadores, questionadores e racionalizadores. É o caso também de ateus e agnósticos, que questionam o status quo religioso.
A direita seria mais negacionista não só porque apela mais para a intuição, mas porque alguns consensos científicos entram em choque com seus valores. É ponto pacífico na literatura que ser conservador é um dos mais fortes preditores do negacionismo climático (mas talvez só nos EUA). Claro, aceitar os dados do aquecimento global requer aceitar a regulação do livre mercado para diminuir a emissão de poluentes. A defesa do livre mercado tem a ver com a defesa das liberdades individuais, o que também acaba sendo violado durante campanhas de vacinação obrigatória. Na pandemia de COVID-19, governos decretaram fechamento do comércio e isolamento social.
Algumas situações também ferem os princípios morais da direita. Conservadores geralmente encrencam com promiscuidade sexual. Isso explica por que republicanos, como Bush, ficaram contra o investimento em remédios para combater a AIDS e contra algumas vacinas, como a contra HPV. Para eles, esses tratamentos estimulariam demais a liberdade (ou, ao seu ver, promiscuidade) sexual. Como uma estratégia de diminuição de dissonância cognitiva, muitos passam a negar que vacinas funcionam, ou até que a AIDS seja causada pelo HIV.[ref]N. da R.: Um outro fenômeno digno de nota é a crença por parte de alguns religiosos de que certas doenças representam "castigos divinos". Premissas assim podem fundamentar certo nível de ceticismo ou rejeição ao avanço médico contra tais doenças; ex.: "Cientistas nunca encontrarão a cura da AIDS uma vez que ela é uma resposta ao pecado do homossexualismo."[/ref] Quanto mais tempo passa, mais essa negação vai reunindo outros elementos (governo, indústria farmacêutica, médicos, televisão, vacina como causa de doenças), até se tornar uma teoria conspiratória digna de filme.
Nem todo conservador é cristão, mas há uma clara interseção entre conservadorismo e religiosidade (especialmente nos Estados Unidos) que pode ajudar a explicar alguns negacionismos científicos específicos. Por exemplo, grande parte da rejeição da teoria da evolução pelos conservadores pode ser facilmente explicada pela concorrência da ciência com o Gênesis bíblico na explicação da origem humana. Conservadores prezam mais pela tradição, que pode manifestar-se como tradição religiosa. Sendo assim, é menos custoso para a direita simplesmente ignorar ou negar a validade das evidências que apoiam a evolução por seleção natural, do que permitir que elas entrem em choque com suas crenças religiosas.
Negacionismo na esquerda
O incentivo ao avanço tecnológico, assim como a hegemonia do ambiente político cumpre um papel essencial na formulação das posturas dos órgãos dirigentes com relação às suas atribuições.
Larry L.
Mais recentemente, as evidências têm indicado que esquerda e direita são negacionistas diante de evidências que batem de frente com suas vacas sagradas.
Nos Estados Unidos e na Europa, muitos progressistas abrigam um discurso neo-ludista, anti-tecnologia baseado na ideia de que o que é natural é bom. Além disso, a esquerda tende a ter uma atitude negativa contra empresários (como os da indústria farmacêutica). Isso conecta muitos progressistas a movimentos antivacina e anti-alimentos geneticamente modificados, ao mesmo tempo em que torna irrefreável sua afinidade com a indústria de alimentos orgânicos e de terapias alternativas.[ref]N do A.: Quem dá um ótimo panorama sobre isso é Alex Berezow em Science Left Behind (Ciência Deixada Para Trás, trad. live) e Michael Specter em Denialism: How Irrational Thinking Hinders Scientific Progress, Harms the Planet, and Threatens Our Lives (Negacionismo: Como o pensamento irracional impede o progresso científico, prejudica o planeta e ameaça nossas vidas, trad. live).[/ref]
Existem explicações mais psicológicas para isso. Progressistas tendem a ser mais abertos a novas experiências, o que explica por que no geral a esquerda é mais simpática ao discurso científico. Mas essa característica também faz a esquerda ser tão ou mais sujeita a besteiras quanto a direita.
Por exemplo, no início desta seção você leu uma frase de abertura produzida pelo Gerador de Lero-Lero, o que significa que ela é um mero amontoado de palavras aleatórias que as pessoas leem e projetam significados. É a versão escrita de uma pintura de arte moderna, algo como um penico pendurado na parede. Se você é um conservador nacionalista com pouca escolaridade ou um progressista natureba com ensino superior, estatisticamente eu chutaria que você achou essa besteira pseudoprofunda bastante... profunda.
É dito que conservadores são mais moralistas, mas na verdade a diferença entre esquerda e direita é só o princípio moral em jogo. O valor moral mais quente para a esquerda é o igualitarismo cósmico. Trata-se de uma espécie de variação do mito do Bom Selvagem, em que todas as diferenças relevantes entre grupos seriam causadas pela cultura (injustiças sociais, por exemplo). Homens e mulheres, por exemplo, teriam mentes essencialmente intercambiáveis, e todas as suas diferenças psicológicas seriam produzidas pela criação, preconceito e discriminação.
Isso fica claro num trecho do documentário Paradoxo da Igualdade. Uma acadêmica entrevistada diz que não considera fatores genéticos/biológicos para explicar essas diferenças sexuais. Imagine você se um psicólogo evolucionista confessasse não considerar variáveis culturais em suas explicações. Nessa mesma linha, num estudo, acadêmicos progressistas (especialmente de sociologia e estudos de gênero) consideraram que diferenças sexuais em humanos eram causadas pelo ambiente (orientação política não influenciou na aceitação de diferenças sexuais em outras espécies). Isso não significa que a esquerda nega a evolução das espécies (como conservadores tendem a negar), mas que consideram que a evolução ocorreu apenas do pescoço para baixo.
Apesar do ranço contra explicações biológicas, progressistas aceitam-nas quando são favoráveis a grupos minoritários. Por exemplo, eles aceitam que homens mentem mais que mulheres, e que mulheres desenham melhor que homens, mas não o contrário (sendo que as evidências mostram o contrário). O mesmo vale para as diferenças de inteligência. Progressistas aceitam diferenças de QI entre grupos apenas quando mulheres e negros têm maior inteligência do que homens e caucasianos. Isso é bastante irônico, já que simplesmente reportar a existência de estudos (criticáveis ou não) mostrando diferenças médias de inteligência é suficiente para mover campanhas de difamação e expulsão de universidades. Do mesmo modo, a subrepresentatividade feminina numa determinada profissão só pode ser encarada como fruto de discriminação e socialização forçada, nunca de escolhas pessoais genuínas ou muito menos uma base biológica que, na média, predisponha a uma gravitação em áreas diferentes.
Os mesmos vieses se repetem entre acadêmicos da Society for Personality and Social Psychology (SPSP), que por acaso é a instituição que realiza o congresso onde Jonathan Haidt falou sobre esse tipo de viés progressista na academia pela primeira vez. Como explicar a existência de tamanho viés na academia, o lugar que deveria prezar pelos dados e pela apuração não enviesada da realidade?
Quem pesquisa os pesquisadores? O viés progressista na academia
É esperado que a população em geral tenha dificuldade de aceitar conclusões baseadas em evidências contrárias aos seus valores. Mas acadêmicos, em tese, tiveram um treinamento para serem analíticos e permitirem que as evidências contem mais do que suas intuições. Mas essas ferramentas se tornam apenas um meio de se apegar ainda mais ferrenhamente a vacas sagradas. E a elite acadêmica, como predominantemente de esquerda, tem as suas próprias. Isso não é estudado a mais tempo justamente porque é difícil um grupo reconhecer seus próprios vieses. Negacionismo é só o que os outros fazem.
Existem inúmeras evidências de que acadêmicos são resistentes a violar as vacas sagradas apresentadas na seção anterior. Por exemplo, uma revista chamou sete revisores para avaliar um artigo demonstrando que viés de gênero é apenas um dos motivos (não o único) da disparidade de gênero na academia. O normal são dois ou três revisores. Revistas acadêmicas aumentam o rigor na avaliação de artigos desalinhados com o igualitarismo cósmico, mas ao mesmo tempo são condescendentes com manuscritos alinhados a esse pressuposto (artigos sobre vieses contra mulheres, ou contra a acurácia dos estereótipos, o que vai totalmente contra as evidências). Além disso, a maioria dos acadêmicos assumem que rejeitariam manuscritos de colegas de direita.
Um sinal indireto desse viés de esquerda, segundo uma metanálise, é o quanto os artigos se preocupam em caracterizar a direita, mas não a esquerda. Isso foi interpretado como sinal de que ser de esquerda era considerado a posição padrão contra a qual as variações deveriam ser contrastadas. "Os conservadores foram patologizados de várias formas como antiéticos, antissociais e irracionais, simplesmente porque não partilham das crenças que parecem óbvias para os esquerdistas", explica também John Tierney.
Além da academia, a mídia também tem um claro viés pendendo para a esquerda. Se você tentar pensar rápido em três exemplos de negacionismo científico, é provável que sejam negacionismos típicos da direita - e aqueles que recebem maior visibilidade da mídia. Isso pode explicar por que, em alguns estudos, os conservadores apresentam reações mais negativas a dados científicos que contrariam suas crenças. Ser criticado constantemente pela mídia pode gerar ainda mais aversão diante de certos assuntos aos quais já eram resistentes por motivos ideológicos.
Em Science Left Behind, o autor mostra como a mídia americana deu ampla cobertura a George W. Bush sendo cético quanto à idade da Terra, deixando passar praticamente despercebido Obama manifestando o mesmo ceticismo. Ou seja, presidentes progressistas são protegidos pela opinião pública, mesmo quando seu nível de negacionismo não é tão diferente do apresentado por presidentes conservadores.
Outro exemplo disso é a cobertura jornalística sempre que o assunto é genética e comportamento. Num caso recente, vários sites publicaram matérias sobre um estudo mostrando que a orientação sexual está associada a vários genes, como se na verdade o estudo tivesse refutado a existência de um gene gay e assim demonstrado a significância de fatores externos (como ambiente social e educação) para a orientação sexual. O problema é que ninguém nunca defendeu a tese de um gene gay, e em momento algum do estudo é argumentado que fatores sociais importam mais do que os biológicos para o desenvolver da sexualidade. É como se a mídia estivesse sempre ansiosa para descartar a influência genética sobre os comportamentos, numa tentativa de ao mesmo tempo reforçar o igualitarismo cósmico.[ref]N da R.: A ideia não é exatamente implicar que a homossexualidade não é natural, mas que “se não há genes gays, também não há genes héteros”, o que faria da sexualidade humana fluída e moldável por natureza. A premissa popularizada por autores como Foucault de que somos todos potencial e fundamentalmente bissexuais (e que nos dividimos entre heteros e homos em função, por exemplo, das pressões culturais) é primordial para a psicanálise e o lesbianismo político resguardado pelo feminismo radical.[/ref] Nos mesmos moldes observamos a ampla divulgação do trabalho (de qualidade altamente questionável) de neurocientistas como Gina Rippon, Cordelia Fine e Daphna Joel, que representam uma minoria da área engajada em negar ou diminuir o papel da biologia nas diferenças comportamentais entre os sexos o máximo possível.
Conclusão
O Homo sapiens mudou bastante ao longo dos últimos milhares de anos. A invenção da linguagem abriu as portas para a invenção do pensamento analítico. A despeito disso, continuamos uma espécie social que preza pelos laços também sociais, e não pela busca desinteressada da verdade e da razão. Nesse jogo de prioridades, nossas intuições ganham das evidências científicas. Essas intuições são cooptadas por ideologias políticas e seus representantes: os partidos.
Se conservadores e progressistas lerem uma pesquisa idêntica, mudando apenas o resultado favorável ou desfavorável à pena de morte, eles vão ser mais céticos quanto ao método utilizado se a conclusão do estudo contrariar suas crenças prévias sobre o tópico. O ceticismo é emocionalmente motivado. Quando um lado do espectro político está defendendo uma conclusão baseada em evidências, pode ter certeza que é porque seus valores acidentalmente coincidiram com as evidências. Quando o raciocínio é motivado, o ceticismo é também motivado, e as evidências via de regra não importam, a não ser que reafirmem o que já se acreditava.
Mas nem tudo está perdido. A ciência se beneficia disso na medida em que vários pesquisadores aplicando seu ceticismo (motivado ou não) vão produzir resultados mais acurados. Cientistas individuais não necessariamente são céticos e imparciais, mas os resultados de todo um campo de pesquisa científica frequentemente é. A tentativa motivada de cada cientista tentar refutar o colega acaba produzindo uma dinâmica em que as melhores evidências sobrevivem, e as melhores teorias vencem.
Mas, para isso, precisa-se de diversidade ideológica (não apenas de cores ou sexo, mas de ideologia). Sem essa diversidade, as instituições de pesquisa se tornam câmaras de eco em que todos os pesquisadores ficam livres para renegar evidências que contrariam suas vacas sagradas. Isso é pesquisa advocatícia, não científica. Sem ela, é o negacionismo científico, destro ou canhoto, que ganha.
Escrito por Felipe C. Novaes
Com colaboração e revisão de Ágata Cahill
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