O Lado Negro da Empatia
Como se importar com uma pessoa pode criar agressão injustificada contra outra
Por Paul Bloom
Geralmente não sou a favor de matar, mas eu faria uma exceção para os líderes do Estado Islâmico. Eu sentiria uma certa satisfação se eles fossem varridos do mapa. Essa é uma atitude bem típica, compartilhada até por muitos dos meus amigos mais liberais, apesar de, intelectualmente, não ser algo com que nos sintamos confortáveis ou de que nos orgulhemos.
De onde vem essa malícia? Os psicólogos têm explicações padrão para sentimentos assassinos para com grupos de estranhos, mas nenhuma delas se aplica aqui. Eu não acho que o Estado Islâmico é uma ameaça a mim ou à minha família ou ao meu modo de vida; não sou guiado por nojo ou desprezo; não os desumanizo; não penso neles como ratos ou cachorros.
Em vez disso, sou motivado por sentimentos mais respeitáveis, por compaixão, amor e empatia. Não pelo Estado Islâmico, é claro, mas por suas vítimas. Eu assisti aos vídeos das decapitações e crucificações e li relatos de estupro, escravidão e tortura. Se eu estivesse menos investido no sofrimento das vítimas, ficaria mais receptivo a uma discussão equilibrada de opções diferentes. Mas porque eu me importo, só quero mesmo que paguem.
Em The Theory of Moral Sentiments [“A Teoria dos Sentimentos Morais”], publicado em 1759, Adam Smith observa que quando vemos alguém ser ferido por outra pessoa, alimentamos esse desejo por vingança: “Deleitamo-nos em vê-lo atacar a seu adversário por sua vez, ansiosos e prontos para ajudá-lo”. Mesmo se ele morrer, nossa imaginação faz com que aconteça: “Entramos, podemos dizer, em seu corpo, e nas nossas imaginações, em alguma medida, animamos novamente a carcaça deformada e lacerada do assassinado, [e] trazemos dessa maneira o seu caso ao nosso peito”.
Você pode observar esse processo trabalhando na pesquisa publicada no ano passado pelos psicólogos Anneke Buffone e Michael Poulin. Os probandos no estudo ouviram uma história sobre uma competição entre dois estudantes em outra sala do laboratório. Metade dos probandos leu um texto em que uma estudante descrevia a si mesma como alguém passando por dificuldades (“Eu nunca estive com tão pouco dinheiro e isso me assusta muito”); os outros leram um texto em que ela soava despreocupada (“Nunca estive com tão pouco dinheiro, mas isso não me incomoda nem um pouco”). Os probandos depois ouviram que ajudariam num estudo sobre dor e performance, em que eles poderiam escolher quanto molho de pimenta o competidor da estudante teria de consumir.
Lembre-se que esse competidor não fez nada de errado; ele ou ela não tinha nada a ver com a ansiedade da estudante sobre dificuldades financeiras. Mesmo assim, os probandos escolheram dar mais molho de pimenta a essa outra pessoa quando a estudante se descrevia como alguém em dificuldade. Sua empatia os conduziu à agressão, mesmo quando não fazia qualquer sentido moral.
Além disso, antes do estudo ser feito, Buffone e Poulin fizeram com todos os probandos um teste que busca genes específicos que fazem as pessoas mais sensíveis à vasopressina e à oxitocina, hormônios que estão associados à compaixão, à ajuda e à empatia. Como previsto, houve uma conexão maior entre a empatia e a agressão naqueles probandos que tinham esses genes – isto é, as pessoas mais empáticas eram mais agressivas quando expostas ao sofrimento de estranhos.
Eu descobri coisas similares numa série de estudos feitos em colaboração com Nick Stagnaro, estudante de pós-graduação de Yale. Nós começamos por fazer um teste simples com as pessoas para medir seu grau de empatia. Então contamos a elas histórias horríveis sobre jornalistas sequestrados no Oriente Médio, sobre abuso infantil nos Estados Unidos. E então perguntamos a elas qual é a melhor forma de responder aos responsáveis pelo sofrimento. No caso do Oriente Médio, damos uma sequência contínua de opiniões políticas, de não fazer nada a criticar publicamente, e assim por diante até invasão militar por terra. Para a versão doméstica [do abuso infantil], perguntamos sobre punições aumentadas para o abusador, de aumentar o valor da fiança a mandá-lo para o corredor da morte. Assim como no estudo genético, descobrimos que quanto mais empáticas as pessoas são, mais elas querem uma punição mais severa.
Os políticos exploram confortavelmente esse lado negro da empatia. Donald Trump gosta de falar sobre Kate – ele não usa seu nome completo, Kate Steinle, apenas Kate. Ela foi assassinada em São Francisco por um imigrante não regularizado, e Trump quer fazer com que ela seja real para seu público, quer fazer vívido seu discurso sobre assassinos mexicanos. Similarmente, o livro recente de Ann Coulter, Adios, America, é rico em detalhes com descrições de crimes de imigrantes, particularmente estupro comum e estupro de crianças, com capítulos como “Por que oradores de turma hispânicos fazem notícia, mas estupradores de crianças não?” e títulos como “Perdeu um amigo para as drogas? Agradeça a um mexicano”. Trump e Coulter usam essas histórias para alimentar nossos sentimentos pelas vítimas inocentes, para motivar o apoio por políticas contra os imigrantes que alegam ser seus algozes.
Há algo de histórico nesse tipo de coisa. Os linchamentos no sul americano frequentemente começavam com histórias de mulheres brancas que foram atacadas por negros, e os ataques antissemitas anteriores ao Holocausto muitas vezes eram motivados por rumores sobre judeus molestadores de crianças alemãs inocentes. Quem não fica irado quando alguém machuca uma criança?
Sentimentos similares são usados para começar guerras. Quando os EUA se preparavam para invadir o Iraque em 2003, os jornais e a internet mostravam histórias sinistras de abusos cometidos por Saddam Hussein e seus filhos. A reação israelense à notícia do assassinato de três adolescentes israelenses levou o público a apoiar o conflito recente em Gaza, da mesma forma que o Hamas usou histórias de palestinos assassinados para gerar entusiasmo por ataques terroristas contra Israel. Quando defendeu ataques aéreos contra a Síria, Obama falou de forma tocante sobre os horrores infligidos por Assad e seus soldados, incluindo seu uso de armas químicas. Se entrarmos numa guerra completa contra o Estado Islâmico, com certeza veremos mais imagens de pessoas sendo decapitadas.
Nossa reação a essas atrocidades pode turvar nosso julgamento, nos enviesando a favor da guerra. Os benefícios da guerra – incluindo vingar aqueles que sofreram – são tornados vívidos, mas os custos da guerra permanecem abstratos e estatísticos. Nós vemos esse mesmo viés refletido no nosso sistema de justiça criminal. O ultraje que vem da empatia leva a alguns dos nossos desejos punitivos mais poderosos. Não é nenhum acidente que tantas leis recebam o nome de meninas mortas – como em Lei de Megan, Lei de Jessica e Lei de Caylee – nem é surpresa que haja agora entusiasmo por uma “Lei de Kate”. A alta taxa de encarceramento nos Estados Unidos e nosso contínuo entusiasmo pela pena de morte são em parte produtos do medo e da raiva, mas também são conduzidos pelo consumo de histórias detalhadas do sofrimento das vítimas.
Aí também há depoimentos de impacto sobre vítimas, em que descrições detalhadas de como as vítimas são afetadas por um crime são usados para ajudar a determinar a sentença imposta sobre um criminoso. Há argumentos a favor desses depoimentos, mas dadas todas as evidências de que somos mais propensos a empatizar com alguns individuos acima de outros – com fatores como raça, sexo e atratividade física desempenhando um forte papel – é difícil pensar numa forma mais enviesada e injusta de determinar a punição.
Parte de mim ainda deseja ver os líderes do Estado Islâmico mortos. Ainda, durante meus melhores momentos, eu reconheço que o que eu realmente deveria querer é vê-los parando de torturar e matar pessoas, e que qualquer ato violento contra eles deveria ser julgado por suas prováveis consequências – a que grau vai melhorar o mundo, como previne esse tipo de ato no futuro – e não por quão satisfatório poderia ser para mim ou meus amigos. Todos reconhecem que o medo e o ódio podem motivar escolhas horrendas; convém não esquecermos que nossos sentimentos mais ternos também podem fazê-lo.
Publicado originalmente em The Atlantic, 25 de setembro de 2015.
Tradução: Eli Vieira